quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

TSUNAMI DE DILEMAS


Por José Jackson Coelho Sampaio (*)
Suponha um indivíduo, cidadão, classe média urbana, formação superior, gestor público, no Brasil de hoje. Ele é atravessado e atravessa inúmeros papéis, sinérgicos, conflitantes, contraditórios ou antagônicos. Os papéis são móveis, exigem resiliência e criatividade, e se deslocam em três grandes planos históricos: civilizatório, cultural, individual.
No civilizatório orbitam os princípios e os fins éticos, segregados pela humanidade nos últimos 12 milênios, refinados no ocidente por humanismo grego, direito romano, cristianismo e tentativas de socialismo. Os ideais do aperfeiçoamento pelo conhecimento, oriundos de religião, arte, filosofia e ciência, fincam-se nos princípios de belo, bom, justo e paz, mesmo quando formulados para negá-los.
No cultural, os confrontos: vida urbana e paraíso perdido rural; experiência do assalariamento e lógicas comerciais, industriais e financeiras de produção; trabalho intelectual e sonhos aristocráticos no chão competitivo do mercado; a crônica emergência de crises decorrentes de um modelo econômico retardatário/dependente e dos enfrentamentos entre corporações que pilham o coletivo. Enfim, os valores nascidos das tensões entre classe social concreta e as consciências de classe.
No plano individual, síntese prática de todas as contradições, temos a escolha diária entre os valores de vida (tudo é menor que a sobrevivência) ou de morte (pelos quais se sacrifica a vida), patrimonialismo ou solidariedade, afirmação familiar/corporativa ou democrática/coletiva. Tais embates ocorrem no poço da singularidade concreta, entre ilusões de autonomia, necessidades e fórmulas de prestígio, com viseira no discernimento.
O atentado terrorista ao Charlie Hebdo deu a perceber uma equação trágica, de cujos resultados nossa sociedade depende: como os poderes públicos democráticos devem gerenciar, simultaneamente, o direito à liberdade de expressão, o direito a não ter crenças desrespeitadas e a prevenção ao uso do contraditório por meios violentos.
(*) Professor titular em saúde pública e reitor da Uece.
Publicado In: O Povo, Opinião, de 14/11/15. p.10.

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