Por José Jackson
Coelho Sampaio (*)
Suponha
um indivíduo, cidadão, classe média urbana, formação superior, gestor público,
no Brasil de hoje. Ele é atravessado e atravessa inúmeros papéis, sinérgicos,
conflitantes, contraditórios ou antagônicos. Os papéis são móveis, exigem
resiliência e criatividade, e se deslocam em três grandes planos históricos:
civilizatório, cultural, individual.
No
civilizatório orbitam os princípios e os fins éticos, segregados pela
humanidade nos últimos 12 milênios, refinados no ocidente por humanismo grego,
direito romano, cristianismo e tentativas de socialismo. Os ideais do
aperfeiçoamento pelo conhecimento, oriundos de religião, arte, filosofia e
ciência, fincam-se nos princípios de belo, bom, justo e paz, mesmo quando formulados
para negá-los.
No
cultural, os confrontos: vida urbana e paraíso perdido rural; experiência do
assalariamento e lógicas comerciais, industriais e financeiras de produção;
trabalho intelectual e sonhos aristocráticos no chão competitivo do mercado; a
crônica emergência de crises decorrentes de um modelo econômico
retardatário/dependente e dos enfrentamentos entre corporações que pilham o
coletivo. Enfim, os valores nascidos das tensões entre classe social concreta e
as consciências de classe.
No
plano individual, síntese prática de todas as contradições, temos a escolha
diária entre os valores de vida (tudo é menor que a sobrevivência) ou de morte
(pelos quais se sacrifica a vida), patrimonialismo ou solidariedade, afirmação
familiar/corporativa ou democrática/coletiva. Tais embates ocorrem no poço da
singularidade concreta, entre ilusões de autonomia, necessidades e fórmulas de
prestígio, com viseira no discernimento.
O
atentado terrorista ao Charlie Hebdo deu a perceber uma equação trágica, de
cujos resultados nossa sociedade depende: como os poderes públicos democráticos
devem gerenciar, simultaneamente, o direito à liberdade de expressão, o direito
a não ter crenças desrespeitadas e a prevenção ao uso do contraditório por
meios violentos.
(*) Professor titular em saúde pública e reitor da Uece.
Publicado In: O
Povo, Opinião, de 14/11/15. p.10.
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