quinta-feira, 10 de março de 2016

Anotações avulsas de um bacharel sem causas


Por Paulo Elpídio de Menezes Neto (*)
Linguistas insuspeitos atribuem a origem do termo “advogado” à expressão latina “ad vocatus”, “chamado para”. Essa convocação ou apelo envolve a interveniência de um patrono, defensor ou intercessor de causas ou interesses postos em litígio. Com o passar do tempo, essa árdua função foi abandonando as artes exclusivas da retórica, e passou da fala eloquente dos oradores, do “rhêtor”, orador grego, à interpretação das leis e dos graves procedimentos, das práticas processuais.
De advogado e jurista, temos, nós, brasileiros, muito ou quase tudo para encarar uma controvérsia, pelas redes sociais ou no entorno singular de uma roda de chope. Não se viu quantos juristas brotaram nestes últimos tempos? Os brasileiros trocaram a paixão do futebol pelo trato da norma legal.
O governo, por sua vez, cansado de governar passou a ocupar-se da rotina dos interrogatórios policiais e dos trâmites judiciários para aliviar-se da maçada das coisas do Estado. Não somos mais aquela doce pátria em chuteiras, transformamo-nos em uma nação togada, agitada por ímpetos dialéticos, dominada pelos contraditórios cotidianos do entendimento jurídico. Há até quem repita, nessas tertúlias cívicas, com certa afetação erudita, citações em latim, como se estivesse em audiência pública, e contraponha argumentos definitivos ao derradeiro parecer acusatório e a decisões emanadas das excelsas Cortes judicantes.
Pois bem, essa agitação cidadã, por vezes dominada por altercações inusitadas, fez-me lembrar que, afinal de contas, a advocacia gira em torno de leis e de procedimentos, é da sua índole. Mas não lhe cabe, por sorte sua, a feitura das leis. A crer nas suspeitas do conde Otto von Bismarck, “a elaboração das leis assemelha-se à fabricação das salsichas: é melhor não ver como elas são feitas”.
Guardo comigo grande admiração por um brasileiro que não teve reconhecimento de suas potencialidades em vida, nem depois da morte. Uma vocação legítima para a arte da exegese das leis e para os desafios da ciência política: o coronel Chico Heráclio, Francisco Heráclio do Rego, chefe político de Limoeiro, para os lados de Pernambuco. Ao avaliar a força das leis e dos homens que delas fazem uso, concluiu amparado em sua experiência: “Há duas espécies de lei, no Brasil, as ‘leis duras’ e as ‘leis moles’; as ‘moles’ a gente passa por cima, as ‘duras’ a gente passa por baixo”.
(*) Cientista político. Membro da Academia Brasileira de Educação e do Instituto do Ceará.
Fonte: O Povo, 9/03/16. Opinião, p.8.

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