sexta-feira, 24 de junho de 2016

A HUMANIZAÇÃO DOS BICHOS


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Deparei-me esta semana com uma publicidade de página inteira, veiculada por revista de circulação nacional, propalando os benefícios de uma medicação veterinária contra pulgas e carrapatos. O que mais me impressionou nessa propaganda foram os dizeres:
"Não deixe seu cão perder a melhor parte de ser um cão. Dê um mundo inteiro para o seu cão”.
Gostaria de indagar ao leitor sobre o que acha desse tipo de cuidados antropocêntricos para com os animais. Recordando o termo antropocêntrico do ponto de vista filosófico: Diz-se, principalmente, das doutrinas finalísticas que admitem que todas as coisas foram criadas por Deus para propiciar a vida humana.
Quando se invoca o nome de Deus em vão, algo está errado. Mas deixemos as religiões para os teólogos. E as proliferações das lojas “pet-shop” (tudo agora é em inglês) para os economistas e assemelhados.
Os pobres animais de estimação e seus donos viraram criaturas escravizadas da sociedade de consumo, inebriados pelo cinismo, pelo narcisismo, pela violência e pela delinquência.
Humanizar é tornar humano, dar condição humana. Quando vejo/assisto/ testemunho esses acontecimentos recordo-me de uma passagem do escritor Franz Kafka no seu ‘Um relatório para uma Academia’ (1917).
O agraciado (ou relator) nessa sessão era um macaco amestrado que após treinamento especializado passa a se comportar como humano, embora permaneça com a anatomia de macaco - e confessa:
... “Se chego em casa tarde da noite, vindo de banquetes, sociedades científicas, reuniões agradáveis, está me esperando uma pequena chimpanzé semi-amestrada e eu me permito passar bem com ela à maneira dos macacos. Durante o dia não quero vê-la; pois ela tem no olhar a loucura do perturbado animal amestrado; isso só eu reconheço e não consigo suportá-lo....”
Para que não se diga que falei exclusivamente do reino animal, concluo contando um fato que incluiu também os vegetais.
Um grande paisagista nacional, já falecido, foi interpelado por uma senhora da alta sociedade que lhe perguntou:
- O que o senhor acha: as plantas crescem mais com a música de Bach ou com a de Mozart?
Respondeu ele:
- Não saberia dizer senhora, qual deles é mais importante. O que eu sei é que as plantas crescem melhor com titica de galinha.
Juro que foi verdade. Nessas coisas não se pode invocar testemunhos. Pena. Foi somente entre mim e ele - o paisagista.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
 

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