Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A pesquisa da opinião
pública é um manipulador perigoso e, pior que tudo, atrevido. Desde que esses
tipos de pesquisas se tornaram cada vez mais fáceis de serem realizadas,
intoxicam as mentes, mais que muitos esgotos a céu aberto. Assim, uma pergunta
complexa como: “você é a favor da liberação das drogas?” é obtida em menos de
vinte e quatro horas, bastando oferecer ao entrevistado as opções sim, não, ou
não sei. A maioria das respostas é contabilizada e publicada como a opinião de
um grupo, de um país, não importando quem a forneceu, como, e, muito menos, por
quê.
Outra questão importante:
“você é a favor do aborto?”, com as respostas sim ou não, e afirmam que o
resultado final é cientifico. Se o aborto ganhar, o povo é a favor do
abortamento. Neste sentido, algumas verdades tidas pelos marqueteiros como
“científicas” valem mais do que anos e anos de estudo.
Tais estudos são feitos para
conhecer o que as pessoas pensam sobre a eutanásia, o casamento gay, as pesquisas com células-tronco,
temas dos mais relevantes até a preferência por uma determinada marca de sabão
em pó. É uma régua (aferição) universal, uma panaceia para obter respostas
fajutas. Desse modo, a estatística representa uma rainha e a informática uma
fazedora de milagres?
Até mesmo a decisão de uma
opção terapêutica, no caso de você estar doente, o médico segue um protocolo,
como se você, ou o seu sofrimento, fossem coisas mensuráveis, exatas. Se não
for assim, você inexiste, é um ponto fora da curva, e o médico passa a ser um
incompetente, um sujeito que pode vir a ser processado pelo Conselho Regional
de Medicina.
Não quero declarar que não
deva haver um perfil geral para o tratamento de qualquer nosologia, porém
desejar que todos os pacientes, ou melhor, que pessoas, seres humanos, sejam
iguais, que respondam de maneira idêntica ao mesmo remédio (remédio, aqui,
tido, de maneira ampla, como tudo aquilo que contribui para a cura, a melhora,
o alivio do sofrimento). Isto seria um absurdo! Quando é que vamos perceber que
a mente e o corpo humano são das poucas coisas que não podem ser reguladas
através de uma média?
Com isso, desejo dizer que,
no tocante às novas ideias, às criatividades, os cientistas que as tiveram ou
elaboraram, sejam os únicos a ter opiniões diferentes dos demais. Assim, não
haveria necessidade de se fazerem novas descobertas.
Observem um exemplo. É fácil
prever qual foi a resposta da maioria do povo, maioria esta, analfabeta, na
época em que um obscuro monge polonês, me reporto a Nicolau Copérnico
(1473-1543), teve a ousadia de afirmar ser a Terra quem girava em torno do Sol
e não o contrário. O planeta Terra nunca foi o centro do Universo. Quem ousasse
votar de modo afirmativo, não embarcaria na historieta da descoberta do monge
Nicolau. Não me venham falar da ignorância medieval. Quem não respondesse
afirmativamente, além de ser considerado ignorante, corria o risco de ser
queimado vivo em fogueira. E isto dói muito. Quem não teria medo de ser
queimado vivo?
Coisas semelhantes estão
ocorrendo, agora mesmo, enquanto digito esta croniqueta, quando a nossa Presidente
acreditou nas pesquisas encomendadas aos seus marqueteiros. Porém, volto à
Medicina que é a minha “praia”. Alguns já afirmaram que ela é a mais social de
todas as Ciências. Por isso, a Presidente pensa e importa médicos do
estrangeiro. Não sei o que vai acontecer com os brasileiros e tais novos
colegas.
A melhoria das relações
médico-paciente é um assunto inesgotável, desde os tempos do grego Hipócrates.
Um velho professor de Medicina me ensinou: cuidado com o que você fala. Você
diz uma coisa, mas o paciente pode entender outra, e, o acompanhante, uma
terceira coisa.
Já que fomos ameaçados pela
vinda de médicos estrangeiros, devemos saber, como profissionais da área, que,
certas decisões não podem ser jogadas sobre os fragilizados ombros dos doentes
brasileiros (os Jecas Tatus e Amarelinhos Verminóticos), ou de suas famílias. E
isso não poderá ser orientado por qualquer Lei ou Decreto, promulgados em
Tribunais ou Câmaras e, muito menos, pelo poderoso Poder Executivo Brasileiro.
Por mais “capas pretas” que sejam os nossos magistrados e autoridades, quem
podem opinar são os médicos e outros profissionais ligados à Saúde.
Por sua vez, quando a
duração da vida aumenta geometricamente, e a qualidade da vida é uma subtração,
para quem a tem, apenas prolongada, mas sem qualidade, discutir a validade de
uma opção terapêutica se torna cada vez mais complexa. E mais complicada é a
decisão de embarcar, ou não, em processos de sobrevidas canhestras. Isto se
torna um grande dilema. Sem falar na barreira da língua portuguesa:
“nordestinês, “gauchês”, “paulistês”, “amazonês”, entre outros.
Pesquisas recentes,
publicadas no prestigioso JAMA (The
Journal of Medical Association), ainda em maio de 2003, nos dão conta de
como é difícil, mediante inquéritos, por mais perfeitos e cuidadosos que sejam,
ajudar o sofrimento/dilema humanos e as decisões da sacralidade da vida. Além
do mais, a relação médico-paciente se faz através da linguagem, principalmente.
Quanto mais pratico a Medicina, mais humilde me torno. Não canso de lembrar e
citar as palavras do meu pai: “as razões são individuais”. Portanto, os
sofrimentos e sentimentos são singulares.
Jovens colegas: fujam dos
protocolos e das certezas. Eles são, apenas, meros guias e valem, inclusive,
até certo ponto. O mais importante é com você, com seu paciente e sua família.
O jornalista Nelson Rodrigues tinha razão quando disse: “toda unanimidade é
burra”. Neste sentido, cuidado com o que fala. E quando os familiares afirmam:
“o senhor fez tudo para salvar a vida do meu ente querido”.
Por favor, não me digam nada, nem coloquem notas de
agradecimento nos jornais pelo que fiz pelos pacientes. Não sei se fui longe
demais e deveria ter deixado o meu querido doente, tão-somente, morrer em PAZ.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
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