quarta-feira, 13 de julho de 2016

COMO SABER SE UM ESTUDO MÉDICO É CONFIÁVEL OU NÃO


Por Austin Frakt, do New York Times
Infelizmente, não há nada que substitua um exame cuidadoso desses estudos feito por um especialista.
Todos os dias, são noticiadas novas descobertas de pesquisas na área de saúde. Muitas delas sugerem que, se não fizermos alguma coisa --beber mais café, tomar determinado remédio, fazer tal cirurgia ou implementar certa política-- teremos uma saúde melhor (ou pior), e vidas mais (ou menos) longas.
E toda vez que você lê esse tipo de notícia, sem dúvida fica se perguntando: devo acreditar nisso? Muitas vezes, a resposta é não, mas talvez nós não saibamos distinguir as pesquisas sem valor daqueles resultados aos quais devemos dar atenção.
Infelizmente, não há nada que substitua um exame cuidadoso desses estudos feito por um especialista. No entanto, se você não for um especialista, você pode fazer algumas coisas simples para se tornar um leitor mais esclarecido dessas pesquisas. Em primeiro lugar, se o estudo examinou os efeitos de um medicamento apenas em animais ou em tubos de ensaio, temos uma visão muito limitada de como ele irá de fato funcionar em humanos. Você deve encarar quaisquer alegações sobre os efeitos sobre os seres humanos com certa cautela. Depois, em estudos que envolvem seres humanos, pergunte a si mesmo: que método os pesquisadores usaram? Eu sou semelhante às pessoas que eles examinaram?
Claro, existem muitas outras perguntas importantes para se fazer sobre um estudo – por exemplo, se ele examinou os danos bem como os benefícios? Mas basta avaliar a base do que os pesquisadores chamam de "afirmações causais" – X leva a Y ou causa Y – e qual a sua semelhança com os participantes do estudo, que você já terá avançado bastante em descobrir a credibilidade e a relevância do estudo para você.
Vamos olhar mais de perto como podemos encontrar essas respostas. (Se as respostas não estão nas notícias da imprensa, e elas deveriam estar, você terá que buscar o estudo – e admito que isso não é fácil. Muitos não estão disponíveis gratuitamente na internet.)
É instrutivo considerar um estudo ideal, porém impossível. Um estudo ideal de um medicamento faria duas cópias idênticas de você, sendo que ambas passariam exatamente pelas mesmas coisas o tempo todo, com uma exceção: só uma cópia de você receberia o medicamento. Comparar o que aconteceria com suas duas cópias revelaria as consequências causais do medicamento para você.
Claramente, existem algumas complicações no mundo real. Só existe um de você para testar. Além disso, você não participou da maioria dos estudos, se é que já participou de algum. As pessoas que os pesquisadores examinam nunca são exatamente como você. Então, como podemos tirar algum valor dessa imperfeição?
Os pesquisadores empregam diversos métodos para inferir o que aconteceria com as pessoas que poderiam ser como você em duas circunstâncias diferentes, tais como tomar ou não tomar um medicamento. A abordagem mais confiável é o estudo aleatório controlado. No teste aleatório mais básico, indivíduos são designados aleatoriamente para os grupos de tratamento (ou seja, recebem o novo medicamento) e para controle (ou seja, tomam placebo ou nada).
Esta distribuição aleatória dos participantes é importante. Se isso for feito com número suficiente de pessoas, faz com que os dois grupos sejam estatisticamente idênticos um ao outro, exceto quanto à experiência do tratamento (ou da falta dele). Quaisquer mudanças observadas podem ser atribuídas àquele medicamento com um bom nível de confiança.
Embora um estudo aleatório torne os dois grupos estatisticamente idênticos um ao outro --fora o medicamento recebido-- ainda não quer dizer que qualquer um dos grupos é idêntico a você. Se os indivíduos selecionados para participar do teste forem muito semelhantes a você --idades semelhantes, renda, ambiente onde vive e assim por diante-- isso aumenta as chances de que os resultados se apliquem a você. Mas se você é, digamos, um novaiorquino de classe média de 65 anos, um estudo cujos participantes são pessoas pobres, de 30 anos, da China rural pode não traduzir a sua experiência.
Esta é uma das principais limitações dos estudos aleatórios. Eles normalmente se concentram em populações pequenas que cumprem critérios rigorosos --aqueles com maior probabilidade de se beneficiar com o tratamento. Muitos testes clínicos excluem pacientes mais velhos ou crianças por causa de preocupações éticas ou de segurança. Muitos testes, principalmente os mais antigos, não incluíam mulheres. Sabemos muito menos sobre como as drogas afetam grupos que não foram estudados do que gostaríamos. Os danos podem acontecer até quando se assume que as descobertas feitas para aqueles que foram estudados se aplicam a pessoas que não foram.
O meu colega Aaron Carroll deu um exemplo deste problema. Com base nos resultados de testes clínicos aleatórios que incluíram apenas adultos, a prescrição de medicamentos conhecidos como inibidores da bomba de prótons para crianças com refluxo gastroesofágico cresceu sete vezes entre 2000 e 2004. Só mais tarde, em 2009, um estudo direto com crianças descobriu que esses medicamentos causavam danos a elas, sem nenhum benefício.
Um tipo diferente de estudo apresenta menos chances de ter esse tipo de problema. Em vez de recrutar e separar aleatoriamente um conjunto restrito de pacientes para gerar novos dados, os pesquisadores podem recorrer a estudos de banco de dados "de observação" ou "não experimentais". Estes estudos banco de dados usam grandes conjuntos de dados, como aqueles disponíveis a partir do Medicare, Medicaid, da Administração para Saúde dos Veteranos ou outras grandes pesquisas. Alguns estudos deste tipo são amplos o suficiente para permitir que os investigadores relatem diferenças nos efeitos do tratamento em todos os grupos. Talvez as mulheres respondam de forma diferente do que os homens, por exemplo.
E porque eles não têm que gerar novos dados, os estudos não experimentais costumam ser mais baratos do que testes clínicos aleatórios e a produzir resultados mais rapidamente.
Pessoas como você têm mais chances de estar representadas em um estudo de banco de dados não experimental, então sua principal preocupação seria saber se os resultados são válidos. Afinal, um estudo como este não depende de comparações claras entre grupos aleatórios de pessoas. Em vez disso, muitas vezes se compara grupos de pessoas que podem ter se auto-selecionado para receber tratamento ou não. Talvez aqueles que optaram por receber são sistematicamente diferentes --mais saudáveis, mais doentes, mais cautelosas, por exemplo-- e isso é o que impulsiona os resultados. Se assim for, o que parece causal pode não ser, dando origem a ideia familiar de que "correlação não implica causa".
Essa preocupação faz com que os pesquisadores empreguem técnicas para tentar ajustar as diferenças entre os grupos de comparação em estudos não experimentais. Isso pode ser muito complexo quando se tem pressa, e normalmente poucas matérias jornalísticas descrevem os detalhes. Mas isso não significa que todos eles estejam incompletos ou rígidos. O fundamental é que todos eles se baseiam em conclusões diferentes, e não em um estudo aleatório, e essas conclusões podem e devem ser sondadas para ganhar confiança em suas inferências causais.
A maioria das notícias da imprensa reconhecem quando um trabalho não é experimental, e às vezes você pode encontrar uma frase ou duas sobre como os pesquisadores tentaram ajustar as diferenças e as premissas testadas. Você também deve procurar depoimentos de especialistas sobre se esses ajustes e testes foram suficientes. No entanto, isso dependem de julgamento. Há sempre espaço para dúvidas.
Em última análise, nenhum estudo é perfeito. Quer se trate de um teste aleatório ou de um não experimental, nunca se pode ter certeza absoluta de que os resultados do estudo são válidos e aplicáveis a você. A melhor aposta é esperar, se você puder, até que as evidências se acumulem a partir de muitos estudos que usem uma variedade de métodos aplicados a diferentes populações.
Poucas coisas são curas milagrosas, mas quando uma aparece, vemos isso aparecer não apenas em um estudo, mas em muitos. Sim, isso pode levar tempo. Mas se você quiser provas sólidas nas quais possa confiar, você também não pode ser impaciente.
Tradução: Fernando Nascimento/Sigmapress/Estadão Conteúdo.
Fonte: UOL Notícias, de 23/08/2015.

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