Por Austin Frakt, do New York Times
Infelizmente, não há nada que substitua um exame cuidadoso desses
estudos feito por um especialista.
Todos os dias, são noticiadas novas
descobertas de pesquisas na área de saúde. Muitas delas sugerem que, se não
fizermos alguma coisa --beber mais café, tomar determinado remédio, fazer tal
cirurgia ou implementar certa política-- teremos uma saúde melhor (ou pior), e
vidas mais (ou menos) longas.
E toda vez que você lê esse tipo de
notícia, sem dúvida fica se perguntando: devo acreditar nisso? Muitas vezes, a
resposta é não, mas talvez nós não saibamos distinguir as pesquisas sem valor
daqueles resultados aos quais devemos dar atenção.
Infelizmente, não há nada que
substitua um exame cuidadoso desses estudos feito por um especialista. No
entanto, se você não for um especialista, você pode fazer algumas coisas
simples para se tornar um leitor mais esclarecido dessas pesquisas. Em primeiro
lugar, se o estudo examinou os efeitos de um medicamento apenas em animais ou
em tubos de ensaio, temos uma visão muito limitada de como ele irá de fato
funcionar em humanos. Você deve encarar quaisquer alegações sobre os efeitos
sobre os seres humanos com certa cautela. Depois, em estudos que envolvem seres
humanos, pergunte a si mesmo: que método os pesquisadores usaram? Eu sou
semelhante às pessoas que eles examinaram?
Claro, existem muitas outras
perguntas importantes para se fazer sobre um estudo – por exemplo, se ele
examinou os danos bem como os benefícios? Mas basta avaliar a base do que os
pesquisadores chamam de "afirmações causais" – X leva a Y ou causa Y
– e qual a sua semelhança com os participantes do estudo, que você já terá
avançado bastante em descobrir a credibilidade e a relevância do estudo para
você.
Vamos olhar mais de perto como
podemos encontrar essas respostas. (Se as respostas não estão nas notícias da
imprensa, e elas deveriam estar, você terá que buscar o estudo – e admito que
isso não é fácil. Muitos não estão disponíveis gratuitamente na internet.)
É instrutivo considerar um estudo
ideal, porém impossível. Um estudo ideal de um medicamento faria duas cópias
idênticas de você, sendo que ambas passariam exatamente pelas mesmas coisas o
tempo todo, com uma exceção: só uma cópia de você receberia o medicamento.
Comparar o que aconteceria com suas duas cópias revelaria as consequências
causais do medicamento para você.
Claramente, existem algumas
complicações no mundo real. Só existe um de você para testar. Além disso, você
não participou da maioria dos estudos, se é que já participou de algum. As
pessoas que os pesquisadores examinam nunca são exatamente como você. Então,
como podemos tirar algum valor dessa imperfeição?
Os pesquisadores empregam diversos
métodos para inferir o que aconteceria com as pessoas que poderiam ser como
você em duas circunstâncias diferentes, tais como tomar ou não tomar um
medicamento. A abordagem mais confiável é o estudo aleatório controlado. No
teste aleatório mais básico, indivíduos são designados aleatoriamente para os
grupos de tratamento (ou seja, recebem o novo medicamento) e para controle (ou
seja, tomam placebo ou nada).
Esta distribuição aleatória dos
participantes é importante. Se isso for feito com número suficiente de pessoas,
faz com que os dois grupos sejam estatisticamente idênticos um ao outro, exceto
quanto à experiência do tratamento (ou da falta dele). Quaisquer mudanças
observadas podem ser atribuídas àquele medicamento com um bom nível de
confiança.
Embora um estudo aleatório torne os
dois grupos estatisticamente idênticos um ao outro --fora o medicamento
recebido-- ainda não quer dizer que qualquer um dos grupos é idêntico a você.
Se os indivíduos selecionados para participar do teste forem muito semelhantes
a você --idades semelhantes, renda, ambiente onde vive e assim por diante--
isso aumenta as chances de que os resultados se apliquem a você. Mas se você é,
digamos, um novaiorquino de classe média de 65 anos, um estudo cujos
participantes são pessoas pobres, de 30 anos, da China rural pode não traduzir
a sua experiência.
Esta é uma das principais limitações
dos estudos aleatórios. Eles normalmente se concentram em populações pequenas
que cumprem critérios rigorosos --aqueles com maior probabilidade de se
beneficiar com o tratamento. Muitos testes clínicos excluem pacientes mais
velhos ou crianças por causa de preocupações éticas ou de segurança. Muitos
testes, principalmente os mais antigos, não incluíam mulheres. Sabemos muito
menos sobre como as drogas afetam grupos que não foram estudados do que
gostaríamos. Os danos podem acontecer até quando se assume que as descobertas
feitas para aqueles que foram estudados se aplicam a pessoas que não foram.
O meu colega Aaron Carroll deu um
exemplo deste problema. Com base nos resultados de testes clínicos aleatórios
que incluíram apenas adultos, a prescrição de medicamentos conhecidos como
inibidores da bomba de prótons para crianças com refluxo gastroesofágico
cresceu sete vezes entre 2000 e 2004. Só mais tarde, em 2009, um estudo direto
com crianças descobriu que esses medicamentos causavam danos a elas, sem nenhum
benefício.
Um tipo diferente de estudo
apresenta menos chances de ter esse tipo de problema. Em vez de recrutar e
separar aleatoriamente um conjunto restrito de pacientes para gerar novos
dados, os pesquisadores podem recorrer a estudos de banco de dados "de
observação" ou "não experimentais". Estes estudos banco de dados
usam grandes conjuntos de dados, como aqueles disponíveis a partir do Medicare,
Medicaid, da Administração para Saúde dos Veteranos ou outras grandes
pesquisas. Alguns estudos deste tipo são amplos o suficiente para permitir que
os investigadores relatem diferenças nos efeitos do tratamento em todos os
grupos. Talvez as mulheres respondam de forma diferente do que os homens, por
exemplo.
E porque eles não têm que gerar
novos dados, os estudos não experimentais costumam ser mais baratos do que
testes clínicos aleatórios e a produzir resultados mais rapidamente.
Pessoas como você têm mais chances
de estar representadas em um estudo de banco de dados não experimental, então
sua principal preocupação seria saber se os resultados são válidos. Afinal, um
estudo como este não depende de comparações claras entre grupos aleatórios de
pessoas. Em vez disso, muitas vezes se compara grupos de pessoas que podem ter
se auto-selecionado para receber tratamento ou não. Talvez aqueles que optaram
por receber são sistematicamente diferentes --mais saudáveis, mais doentes,
mais cautelosas, por exemplo-- e isso é o que impulsiona os resultados. Se
assim for, o que parece causal pode não ser, dando origem a ideia familiar de
que "correlação não implica causa".
Essa preocupação faz com que os
pesquisadores empreguem técnicas para tentar ajustar as diferenças entre os
grupos de comparação em estudos não experimentais. Isso pode ser muito complexo
quando se tem pressa, e normalmente poucas matérias jornalísticas descrevem os
detalhes. Mas isso não significa que todos eles estejam incompletos ou rígidos.
O fundamental é que todos eles se baseiam em conclusões diferentes, e não em um
estudo aleatório, e essas conclusões podem e devem ser sondadas para ganhar
confiança em suas inferências causais.
A maioria das notícias da imprensa
reconhecem quando um trabalho não é experimental, e às vezes você pode
encontrar uma frase ou duas sobre como os pesquisadores tentaram ajustar as
diferenças e as premissas testadas. Você também deve procurar depoimentos de
especialistas sobre se esses ajustes e testes foram suficientes. No entanto,
isso dependem de julgamento. Há sempre espaço para dúvidas.
Em última análise, nenhum estudo é
perfeito. Quer se trate de um teste aleatório ou de um não experimental, nunca
se pode ter certeza absoluta de que os resultados do estudo são válidos e
aplicáveis a você. A melhor aposta é esperar, se você puder, até que as
evidências se acumulem a partir de muitos estudos que usem uma variedade de
métodos aplicados a diferentes populações.
Poucas coisas são curas milagrosas,
mas quando uma aparece, vemos isso aparecer não apenas em um estudo, mas em
muitos. Sim, isso pode levar tempo. Mas se você quiser provas sólidas nas quais
possa confiar, você também não pode ser impaciente.
Tradução: Fernando
Nascimento/Sigmapress/Estadão Conteúdo.
Fonte: UOL Notícias, de 23/08/2015.
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