terça-feira, 23 de agosto de 2016

NINGUÉM ESCREVE POIS QUE QUER...


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
O verdadeiro escritor vale pelo sentimento que consegue transmitir ao leitor. Por mais que domine o vocabulário, a gramática e a beleza das frases, se não transmitir sensibilidade não estará produzindo Literatura.
Acredito que a história da vida de uma pessoa não possa ser escrita por ela nem por outrem. Apesar de a maioria dos biógrafos tentar explicar uma pessoa por meio de fatos da vida do biografado, na verdade é o contrário. A partir da obra é que se pode contar a história de uma Vida.
Para o leitor, à primeira vista, poderá parecer que o que escrevo não passa de um amontoado de alíneas, sem continuidade. Estou imitando a vida como ela é, atemporal como nosso inconsciente.
Graciliano Ramos, em seu livro ‘Linhas Tortas’, diz: A frase é reles clichê perfeito, chavão repetido mil vezes em versinhos alambicados de poetas de meia-tigela. Com todo o respeito e admiração pelo exemplo da vida e obra literária desse alagoano ilustre, não vou me importar se alguém me tachar de mais um produtor de clicherias literárias... ou assemelhado.
Dia desses, relendo João Guimarães Rosa — Grandes Sertões: Veredas, deparei-me com estas linhas: Ser escritor é “ser” um difusor de ideias, semeador de transformações, mas nem por isso (permita-me acrescentar, Mestre João Guimarães), os pássaros, os répteis, as borboletas, as abelhas, os beija-flores e tantos outros bichos deixam de sê-lo..., sem se arvorarem o título de escritor.
O bicho gente, também; mesmo quando não pertence à galeria dos escritores ilustres, nem por isso perde a capacidade de deitar uma boa semente e dela florirem rosas. Como não pretendo gastar meu tempo como aprendiz e, sim, pôr no papel as minhas experiências de homem e de médico; acho que para alguma coisa estes escritos poderão vir a ser de proficuidade.
Parafraseando Paul Valery (1817-1945), concluo: Como escreve mal esse anotador. Que importa! O que escrevo é pelo desejo de compartilhar minhas emoções com meus irmãos de jornada.
Lembro o que disse a nossa querida escritora Raquel de Queiroz a respeito dos escritores medíocres:
Tanto luta e pena o bom escritor quanto o medíocre. Enquanto o primeiro tem o seu prêmio nos aplausos, homenagens e reconhecimento o medíocre trabalha à toa, somente recebe a paga do anonimato, esquecimento indiferença, e o pior de tudo— o de não ser lido. Tanto um quanto o outro deseja escrever suas mentiras e não sabe que estão escrevendo as suas verdades... De uma coisa tenho certeza: ninguém escreve pois que quer.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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