sexta-feira, 9 de setembro de 2016

OLIVER SACKS, O LOBO DO BEM


Por João Soares Neto (*)

 “Deve-se viver a vida olhando para a frente, mas só se pode entendê-la olhando para trás”. Kierkegaard

 Oliver Wolf Sacks me permitiu intimidade ao ler o seu livro biográfico “Sempre em Movimento - Uma Vida” (On the Move: A Life, 2015). Nele, Sacks roteiriza a sua vida, desde a infância. Nasceu na Inglaterra em 1933 e viveu a sua infância entre o colégio interno rigoroso no interior, sofrendo murros de colegas, fugindo dos ataques aéreos alemães sobre Londres, em plena Segunda Guerra.

Filho de pais judeus, médicos, e irmão de médicos, seguiu o destino da família. Mas resolveu abrir-se com o pai e disse não se interessar por meninas, mas nunca tivera experiência sexual. Ao pai, pediu segredo. Pai tem mulher e com ela conversa tudo. A mãe do jovem Oliver o blasfemou e quase o renegou.

Mesmo assim, Sacks cumpriu todas as tarefas a ele cometidas como bom estudante. Primeiro, de Química. Depois, enredou-se na Medicina, abraçada com ciência e amor devotado aos pacientes. Seus colegas sempre o acharam “diferente”. Enquanto isso pilotava motos, levava quedas, e experimentava drogas. Possuía o sentimento de liberdade. Queria viver “em movimento” com novas experiências. Passou um período em um “kibutz”, em Israel, e tempo livre na ilha de Man, situada no meio do Mar da Irlanda.

Formado em Oxford, foi levado pelo irmão David, e pela cunhada Lili, para conhecer uma mulher em Paris. Escolheram uma profissional. Talvez fosse timidez. Apenas conversou e tomou chá com a prostituta legal. Ao sair, o irmão perguntou como tinha sido. “Ótimo”, disse ele, e seguiu a vida como quis e com quem quis. Resolveu, por fim, sair da Inglaterra, ainda vitoriana e preconceituosa. A primeira escala foi o Canadá, país descoberto de ponta a ponta. Tentou ingressar na Força Aérea Canadense, mas seu talento falava mais alto. Gostava de escrever diário e desse tempo surge “Canadá: Pausa, 1960”. Aconselhado por um professor foi parar em universidades dos Estados Unidos (“Se for bom, você sobe. Se for impostor, logo descobrem”).

Fez sucesso nos Estados Unidos, onde foi professor e visitante em várias universidades, especializando-se em conhecer o mecanismo do funcionamento normal e anormal do cérebro humano. Primeiro, esteve na Califórnia. A partir de 1965, há exatos 50 anos, passou a viver em Nova Iorque, com clínica no Hospital Beth Abraham e a ensinar na Faculdade de Medicina Albert Einstein sem perder o acento britânico ao falar. Deu aulas, mundo afora. Ao mesmo tempo, praticava halterofilismo. Onde passou deixou o rastro de brilhante médico que se tornou cientista e, ao mesmo tempo, escritor consagrado pela clareza no dizer.

Tornou-se um grande neurocientista e escreveu livros significantes, tais como “Um antropólogo em Marte”, “Enxaqueca”, “Tempo de Despertar“, “Com uma Perna Só”, “O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu”, e, por fim, “Sempre em Movimento”.

Em artigo para o jornal “The New York Times”, em abril deste ano, tornou pública sua doença terminal: “Acima de tudo, fui um ser com sentidos, um animal pensante, neste maravilhoso planeta, e isso, em si, foi um enorme privilégio e uma aventura”.

Sacks sofria de “prosopagnosia”. Traduzido da linguagem neurológica, seria algo como o problema de reconhecer rostos com perfeição. “Para mim é fundamental a relação que se estabelece entre doença e identidade, e a forma como a pessoa reconstrói seu mundo e sua vida a partir dessa doença”. Assim, Sacks escrevia não só como médico, mas como paciente dessa doença.

Acometido de câncer, logo perdeu um olho. Lutou por 11 anos, sempre altaneiro, mas a doença o abateu domingo passado, penúltimo dia de agosto, aos 82 anos. O lobo (wolf) vai continuar uivando através de seus livros.

 (*) João Soares Neto é escritor e membro da Academia Cearense de Letras.

Fonte: Publicado no jornal O Estado-Ceará, em 4/09/2015.

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