Por João Soares Neto (*)
“Deve-se viver a vida olhando para
a frente, mas só se pode entendê-la olhando para trás”. Kierkegaard
Oliver Wolf Sacks me
permitiu intimidade ao ler o seu livro biográfico “Sempre em Movimento - Uma
Vida” (On the Move: A Life,
2015). Nele, Sacks roteiriza a sua vida, desde a infância. Nasceu na
Inglaterra em 1933 e viveu a sua infância entre o colégio interno rigoroso no
interior, sofrendo murros de colegas, fugindo dos ataques aéreos alemães sobre
Londres, em plena Segunda Guerra.
Filho de pais judeus, médicos, e irmão de médicos, seguiu o destino
da família. Mas resolveu abrir-se com o pai e disse não se interessar por
meninas, mas nunca tivera experiência sexual. Ao pai, pediu segredo. Pai tem
mulher e com ela conversa tudo. A mãe do jovem Oliver o blasfemou e quase o
renegou.
Mesmo assim, Sacks cumpriu todas as tarefas a ele cometidas como
bom estudante. Primeiro, de Química. Depois, enredou-se na Medicina, abraçada
com ciência e amor devotado aos pacientes. Seus colegas sempre o acharam
“diferente”. Enquanto isso pilotava motos, levava quedas, e experimentava
drogas. Possuía o sentimento de liberdade. Queria viver “em movimento” com
novas experiências. Passou um período em um “kibutz”, em Israel, e tempo livre
na ilha de Man, situada no meio do Mar da Irlanda.
Formado em Oxford, foi levado pelo irmão David, e pela cunhada
Lili, para conhecer uma mulher em Paris. Escolheram uma profissional. Talvez
fosse timidez. Apenas conversou e tomou chá com a prostituta legal. Ao sair, o
irmão perguntou como tinha sido. “Ótimo”, disse ele, e seguiu a vida como quis
e com quem quis. Resolveu, por fim, sair da Inglaterra, ainda vitoriana e
preconceituosa. A primeira escala foi o Canadá, país descoberto de ponta a
ponta. Tentou ingressar na Força Aérea Canadense, mas seu talento falava mais
alto. Gostava de escrever diário e desse tempo surge “Canadá: Pausa, 1960”.
Aconselhado por um professor foi parar em universidades dos Estados Unidos (“Se for bom, você sobe. Se for
impostor, logo descobrem”).
Fez sucesso nos Estados Unidos, onde foi professor e visitante em
várias universidades, especializando-se em conhecer o mecanismo do funcionamento
normal e anormal do cérebro humano. Primeiro, esteve na Califórnia. A partir de
1965, há exatos 50 anos, passou a viver em Nova Iorque, com clínica no Hospital
Beth Abraham e a ensinar na Faculdade de Medicina Albert Einstein sem perder o
acento britânico ao falar. Deu aulas, mundo afora. Ao mesmo tempo, praticava
halterofilismo. Onde passou deixou o rastro de brilhante médico que se tornou
cientista e, ao mesmo tempo, escritor consagrado pela clareza no dizer.
Tornou-se um grande neurocientista e escreveu livros significantes,
tais como “Um antropólogo em Marte”, “Enxaqueca”, “Tempo de Despertar“, “Com
uma Perna Só”, “O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu”, e, por fim,
“Sempre em Movimento”.
Em artigo para o jornal “The New York Times”, em abril deste ano,
tornou pública sua doença terminal: “Acima de tudo, fui um ser com sentidos, um animal pensante,
neste maravilhoso planeta, e isso, em si, foi um enorme privilégio e uma
aventura”.
Sacks sofria de “prosopagnosia”. Traduzido da linguagem neurológica,
seria algo como o problema de reconhecer rostos com perfeição. “Para mim é
fundamental a relação que se estabelece entre doença e identidade, e a forma
como a pessoa reconstrói seu mundo e sua vida a partir dessa doença”. Assim,
Sacks escrevia não só como médico, mas como paciente dessa doença.
Acometido de câncer, logo perdeu um olho. Lutou por 11 anos, sempre
altaneiro, mas a doença o abateu domingo passado, penúltimo dia de agosto, aos
82 anos. O lobo (wolf) vai
continuar uivando através de seus livros.
(*) João Soares
Neto é escritor e membro da Academia Cearense de Letras.
Fonte: Publicado no jornal O Estado-Ceará, em 4/09/2015.
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