terça-feira, 15 de novembro de 2016

CANÇÕES DE NINAR DE AUSCHWITZ


Por Gisele Vitória

“Helene dominou, em parte, o monstro interior de Mengele”

Mario Escobar diz que “Canções de Ninar de Auschwitz” foi o livro mais difícil que escreveu. “Vivemos em uma sociedade que pensa pouco e age impulsivamente. A realidade nos domina. O que realmente importa é o amor que podemos sentir pelos outros. Espero seguir o caminho de Helene, que se doava sem esperar nada em troca.” De Madri, o escritor e historiador espanhol falou a IstoÉ:
 


ISTOÉ – Os diários de Helene Hannemann existem?
Mario Scobar – Descobri a história de Helene por meio de Miguel Palacios, presidente da Asociación para la Memoria del Genocidio Gitano (Associação para a Memória do Genocídio Cigano) na Espanha. Quando soube da vida dessa grande mulher, entrei em contato com o Arquivo de Auschwitz e me confirmaram a veracidade dos fatos e de muitas das informações sobre sua história. Não havia propriamente um diário de Helene, mas graças às informações que restavam, foi possível reconstruir sua vida em Birkenau, Auschwitz II.
ISTOÉ – O que mais o emocionou nessa história?
Mario ScobarHá várias coisas na vida de Helene que me emocionam. A primeira é o fato de ela ter ido voluntariamente a Auschwitz para acompanhar sua família. Ela, como uma mulher ariana, não precisaria ter ido, mas teve a coragem de deixar tudo para trás e seguir seu marido cigano e seus filhos. Além disso, também fico tocado com toda a sua entrega por seus filhos no Campo Cigano de Birkenau e por sua coragem de criar uma creche. Realmente foi uma vida inspiradora. Ao escrever, me senti muito próximo dessa força de Helene, que me transformou em um embaixador de sua causa.
ISTOÉ – Como o sr. explica que ela tenha convencido Mengele de poupar seus filhos e cancelar o extermínio de milhares de pessoas nos pavilhões 8 e 14 de Auschwitz?
Scobar – Mengele respeitava Helene porque ela representava o que ele acreditava ser uma mãe perfeita. Por isso, ele considerava a opinião dela. Porém, acima de tudo, Mengele queria que ela criasse a creche no Campo Cigano. Ele sempre tinha um propósito no que fazia.
ISTOÉ – Como o sr. definiria o pensamento de Mengele diante de Helene?
Scobar Mengele a admirava, mas não a entendia. Ele queria que as mulheres arianas tivessem muitos filhos para semear o mundo, mas Helene tinha se casado com alguém que, para ele, era de uma raça inferior. Hoje, é difícil entendê-lo, mas o fanatismo de Mengele e sua ambição o impediam de ver as coisas com o mínimo de compaixão e misericórdia. Os nazistas haviam destruído sua consciência.
ISTOÉ – No prólogo, Mengele narra o começo da história. Por que fez essa escolha?
Scobar – Achei que seria mais adequado pensarmos como era possível que um homem como Mengele permanecesse livre, sem pagar por seus crimes, enquanto Helene sofria sem ter causado mal algum. Às vezes não sofremos neste mundo as consequências de nossos atos. Por outro lado, a vida de Helene será lembrada como a de uma grande mulher, e a de Mengele, como a de um assassino infame.
ISTOÉ – O sr. diz que este foi o livro mais difícil que escreveu e também que lhe ensinou a inventar menos desculpas para seus erros e fraquezas. Por quê?
Scobar Vivemos em uma sociedade que pensa pouco e age impulsivamente. A realidade nos domina e nos esquecemos das coisas importantes da vida. Não importa o que tenhamos ou conquistemos, o que realmente importa é o amor pelos outros, especialmente pela nossa família. Espero seguir o caminho de Helene, que se doava aos outros sem esperar nada em troca.
ISTOÉ – O sr. diria que Helene convenceu, enganou ou comoveu Mengele?
Scobar – Ela conseguiu, em parte, dominar o monstro interior dele. Pelo menos, ela o fez duvidar de sua conduta, mas Mengele era o protótipo do nazista medíocre com sonhos de grandeza que acreditava que a compaixão e a misericórdia eram fraquezas humanas.
ISTOÉ – Canções de ninar é a última coisa a se pensar sobre um campo de concentração. Helene cantava para acalmar os filhos. Por que escolheu este título?
Scobar Quis ressaltar o paradoxo que era o fato de o amor ter encontrado espaço em Auschwitz. Helene utilizava as cantigas de ninar para acalmar seus filhos, algo muito natural em uma mãe. Dessa forma, ela os envolvia em paz e tranquilidade. O que ela realmente queria era que eles vissem a realidade através de seus olhos.
Fonte: Isto É Ano 39 n.2.426 de 8/6/2016, p.76-77.

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