Por Gisele Vitória
“Helene dominou, em parte, o monstro interior de Mengele”
Mario Escobar diz que “Canções de
Ninar de Auschwitz” foi o livro mais difícil que escreveu. “Vivemos em uma sociedade que pensa pouco e age
impulsivamente. A realidade nos domina. O que realmente importa é o amor que
podemos sentir pelos outros. Espero seguir o caminho de Helene, que se doava
sem esperar nada em troca.” De Madri, o
escritor e historiador espanhol falou a IstoÉ:
ISTOÉ – Os diários de Helene Hannemann existem?
Mario Scobar – Descobri a história de Helene por meio de Miguel Palacios,
presidente da Asociación para la Memoria del Genocidio Gitano (Associação para
a Memória do Genocídio Cigano) na Espanha. Quando soube da vida dessa grande
mulher, entrei em contato com o Arquivo de Auschwitz e me confirmaram a
veracidade dos fatos e de muitas das informações sobre sua história. Não havia
propriamente um diário de Helene, mas
graças às informações que restavam, foi possível reconstruir sua vida em
Birkenau, Auschwitz II.
ISTOÉ – O que mais o emocionou nessa história?
Mario Scobar – Há várias coisas na vida de Helene que me
emocionam. A primeira é o fato de ela ter ido voluntariamente a Auschwitz para
acompanhar sua família. Ela, como uma mulher ariana, não precisaria ter ido,
mas teve a coragem de deixar tudo para trás e seguir seu marido cigano e seus
filhos. Além disso, também fico tocado com toda a sua entrega por seus filhos
no Campo Cigano de Birkenau e por sua coragem de criar uma creche. Realmente
foi uma vida inspiradora. Ao escrever, me senti muito próximo dessa força de
Helene, que me transformou em um embaixador de sua causa.
ISTOÉ – Como o sr. explica que ela tenha convencido Mengele
de poupar seus filhos e cancelar o extermínio de milhares de pessoas nos
pavilhões 8 e 14 de Auschwitz?
Scobar – Mengele respeitava Helene porque ela representava o que ele
acreditava ser uma mãe perfeita. Por isso, ele considerava a opinião dela.
Porém, acima de tudo, Mengele queria que ela criasse a creche no Campo Cigano.
Ele sempre tinha um propósito no que fazia.
ISTOÉ – Como o sr. definiria o pensamento de Mengele diante
de Helene?
Scobar – Mengele a admirava, mas não a entendia. Ele
queria que as mulheres arianas tivessem muitos filhos para semear o mundo, mas
Helene tinha se casado com alguém que, para ele, era de uma raça inferior.
Hoje, é difícil entendê-lo, mas o fanatismo de Mengele e sua ambição o impediam
de ver as coisas com o mínimo de compaixão e misericórdia. Os nazistas haviam
destruído sua consciência.
ISTOÉ – No prólogo, Mengele narra o começo da história. Por
que fez essa escolha?
Scobar – Achei que seria mais adequado pensarmos como era possível
que um homem como Mengele permanecesse livre, sem pagar por seus crimes,
enquanto Helene sofria sem ter causado mal algum. Às vezes não sofremos neste
mundo as consequências de nossos atos. Por outro lado, a vida de Helene será
lembrada como a de uma grande mulher, e a de Mengele, como a de um assassino
infame.
ISTOÉ – O sr. diz que este foi o livro mais difícil que
escreveu e também que lhe ensinou a inventar menos desculpas para seus erros e
fraquezas. Por quê?
Scobar – Vivemos em uma sociedade que pensa pouco e
age impulsivamente. A realidade nos domina e nos esquecemos das coisas
importantes da vida. Não importa o que tenhamos ou conquistemos, o que
realmente importa é o amor pelos outros, especialmente pela nossa família.
Espero seguir o caminho de Helene, que se doava aos outros sem esperar nada em
troca.
ISTOÉ – O sr. diria que Helene convenceu, enganou ou comoveu
Mengele?
Scobar – Ela conseguiu, em parte, dominar o monstro interior dele.
Pelo menos, ela o fez duvidar de sua conduta, mas Mengele era o protótipo do
nazista medíocre com sonhos de grandeza que acreditava que a compaixão e a
misericórdia eram fraquezas humanas.
ISTOÉ – Canções de ninar é a última coisa a se pensar sobre
um campo de concentração. Helene cantava para acalmar os filhos. Por que
escolheu este título?
Scobar – Quis ressaltar o paradoxo que era o fato de
o amor ter encontrado espaço em Auschwitz. Helene utilizava as cantigas de
ninar para acalmar seus filhos, algo muito natural em uma mãe. Dessa forma, ela
os envolvia em paz e tranquilidade. O que ela realmente queria era que eles
vissem a realidade através de seus olhos.
Fonte: Isto É Ano 39 n.2.426 de 8/6/2016, p.76-77.
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