Revelado o segredo
dos altos índices de desenvolvimento humano em Cuba.
Eles devem estar
sendo medidos na ilha privativa de Fidel Castro, um paraíso nababesco
Reportagem de Leonardo
Coutinho, publicada em
edição impressa de VEJA
Cultuado pelos
partidos de esquerda do Brasil e da América Latina, Fidel Castro vende com
facilidade a falsa imagem do revolucionário despojado, metido antes em farda de
campanha e, agora, na decrepitude, em agasalhos esportivos Adidas que ganha de
presente da marca alemã.
Inúmeros relatos de
pessoas que privaram da intimidade de Fidel haviam arranhado a aura de asceta
do ditador cubano. Sabia-se que ele manda fazer suas botas de couro, sob
medida, na Itália; que tem um iate e um jato particulares; come do bom e do
melhor – enfim, nada diferente da vida luxuosa levada, em despudorado contraste
com a miséria do povo, por tantos ditadores de todos os matizes ideológicos no
decorrer da história.
Mas, como manda o
manual do esquerdismo latino-americano, que nunca conseguiu se afastar do culto
ao caudilhismo populista, se a realidade sobre Fidel desmentir a lenda, que
prevaleça a lenda. Assim, a farsa sobrevive. Assim, as novas gerações vão sendo
ludibriadas.
Resta ver se a
farsa vai resistir às revelações sobre a corte de Fidel que aparecem na autobiografia
de um ex-guarda-costas do ditador, Juan Reinaldo Sánchez. O livro, que está
chegando às livrarias brasileiras no fim de junho com o título A Vida Secreta de
Fidel (Editora Paralela), revela excentricidades que seriam aberrantes mesmo
para um bilionário capitalista.
Algum rentista de
Wall Street tem uma criação particular de golfinhos destinados unicamente a
entreter os netos?
Fidel tem.
Os líderes das
empresas mais valorizadas do mundo, Google e Apple, que valem centenas de
bilhões de dólares, são donos de ilhas particulares secretas, vigiadas por
guarnições militares e protegidas por baterias antiaéreas?
Com um total de 1,5 quilômetro de extensão, as duas
ilhotas têm uma estrutura luxuosa e recebem exclusivamente familiares e amigos
íntimos do ditador.
Fidel tem tudo isso
em sua ilha – e não se está falando de Cuba, que, de certa forma, é também sua
propriedade particular.
O que o ex-guarda-costas
revela em detalhes é a existência de uma ilha ao sul de Cuba onde Fidel Castro
fica boa parte do seu tempo livre desde a década de 60. Nada mais condizente
com uma dinastia absolutista do que uma ilha paradisíaca de usufruto exclusivo
da família real dos Castro.
Juan Reinaldo
Sánchez narra a liturgia diária do séquito de provadores oficiais que
experimentam cada prato de comida e cada garrafa de vinho que chegam à mesa do
soberano para garantir que não estejam envenenados. “A vida inteira Fidel
repetiu que não possuía nenhum patrimônio além de uma modesta cabana de
pescador em algum ponto da costa”, escreve Sánchez no seu livro.
A modesta cabana de
Fidel é uma imensa casa de veraneio de 300 metros quadrados plantada em Cayo
Piedra, ilha situada a 15 quilômetros da Baía dos Porcos, no mar caribenho do
sul de Cuba. Quando Fidel conheceu Cayo Piedra, logo depois do triunfo de sua
revolução de 1959, o lugar lhe pareceu o refúgio ideal para alguém decidido a
nunca mais deixar o poder.
Eram duas ilhotas
desertas sobre um banco de areia com uma rica fauna marinha. Condições
excelentes para a caça submarina, um dos passatempos do soberano resignatário
de Cuba. Muito se especulava sobre a existência do resort de Fidel, mas sua
localização só se tornou conhecida agora, depois da publicação do livro de
Sánchez.
O escritor
colombiano Gabriel García Márquez, falecido recentemente, frequentava esse
refúgio e, claro, nunca revelou o segredinho do amigo Fidel.
As coordenadas da
casa principal de Cayo Piedra são: latitude 21°57¿52.06″N e longitude
81°7¿4.09″O. Além dela, o paraíso caribenho de areias branquinhas e mar
transparente foi equipado com alojamento para a guarda pessoal, casa de
criados, estação de geração de energia, baterias antiaéreas, um viveiro de tartarugas
(Fidel as adora numa sopa), uma casa de hóspedes de 1 000 metros quadrados,
piscina semiolímpica e um delfinário – que podemos apelidar, por que não, de a
“Sea World do castrismo”.
Um lazer obsceno,
quando se sabe que os cubanos não têm recursos para frequentar praias,
reservadas aos turistas estrangeiros e seus dólares. Quando vão à praia, é para
tentar um bico como guia ou se prostituir.
Em Cayo Piedra há
também um heliporto, que serve apenas para o recebimento de suprimentos e para
uma eventual emergência. Segundo Sánchez, Fidel só viajava para a ilha a bordo
de seu iate – pelo menos até o seu câncer no intestino se agravar, em 2006.
O Aquarama II é uma versão
melhorada e ampliada de uma embarcação que ele confiscou de um milionário local
depois de derrubar o governo de Fulgencio Batista, em 1959. Construído nos anos
70, o iate de Fidel tem 27,5 metros de comprimento e leitos para dezesseis
pessoas, as mais privilegiadas no conforto de duas suítes.
O interior é
revestido de madeiras nobres de Angola e há quatro motores – presentes do então
líder soviético Leonid Brejnev – capazes de desenvolver a velocidade de 78
quilômetros por hora. No salão principal estão seis poltronas de couro negro.
Uma delas, a maior, era exclusiva de Fidel. Ele costumava passar os 45 minutos
da viagem bebendo uísque da marca Chivas Regal, o seu preferido, com gelo.
Em Cuba, uma
garrafa custa 45 dólares, o dobro do salário mensal de um cidadão comum. Iate,
mesmo que setentão? Um luxo, sem dúvida, ainda mais num país em que até os
pescadores são proibidos de ter canoas, para evitar que fujam para os Estados
Unidos, a 200 quilômetros de Cuba.
A residência de
Fidel em Havana é uma casa de dois pavimentos com área construída de cerca de 1
200 metros quadrados e situada no centro de uma propriedade de 30 hectares, o
equivalente a 36 campos de futebol. Conhecida como Ponto Zero, a área concentra
ainda um conjunto de mansões onde vivem alguns de seus filhos.
Há casas de
hóspedes, academia de ginástica, piscina, lavanderia industrial e até uma
sorveteria exclusiva para a família Castro. As ruas dos arredores são
inacessíveis para qualquer outro morador da cidade. O sítio urbano e cercado
por muralhas de Fidel também tem um pomar, uma horta orgânica, um galinheiro e
um curral.
O ditador é
obcecado por suas vacas. No período em que Sánchez frequentou sua casa, cada
integrante da família bebia o leite de uma vaca específica. A do ditador era a
de número 5, o mesmo da camisa de basquete que ele usava na juventude.
Fidel dizia que o
leite de cada vaca tinha um nível de acidez e que, depois de muitos testes e
cruzamentos genéticos, ele havia encontrado o sabor de leite ideal para cada um
dos cinco filhos que teve com Dalia del Valle, sua segunda mulher, com quem
vive até hoje. (No total, Fidel tem nove filhos, incluindo um do primeiro
casamento e três de relações extraconjugais.)
A farra das vacas
leiteiras de Fidel é um acinte em um país em que apenas crianças de até 7 anos
têm acesso garantido ao leite, e ainda assim limitado a 1 litro por dia.
Houve um tempo,
conta o seu ex-segurança, em que Fidel guardava suas preciosas vacas na mesma
casa em que morava uma de suas amantes, a revolucionária de primeira hora Celia
Sánchez, no bairro de Vedado, um dos melhorzinhos de Havana. Celia, falecida em
1980, ocupava o 4º e último andar de um dos melhores imóveis da quadra.
No 3º andar,
ficavam quatro vacas, que foram alçadas ao estábulo especial por meio de
guindastes. Elas tinham em seus aposentos mais espaço do que a maioria dos
seres humanos da capital, onde é comum que duas ou mais famílias sejam
obrigadas a dividir um apartamento no qual deveria caber apenas um casal com
dois filhos.
A relação obsessiva
de Fidel com as vacas limita-se, aparentemente, à produção de leite. Uma delas,
que chegou a figurar no Guinness por produzir 109 litros de leite em um único
dia, está exposta no Museu da Revolução. Empalhada. À mesa, o ditador preferia
peixe, lagosta, presunto espanhol e ovelha, enquanto os seus súditos se
consideram afortunados quando têm carne de porco e, ainda mais raramente, de
frango para comer.
Frutos do mar, para
os cubanos, só em restaurantes turísticos e ao custo de um salário mensal. Não
é difícil encontrar em Havana adultos que nunca comeram um bife de boi ou um
assado de ovelha na vida. Pelo menos eles não convivem com a paranoia de morrer
envenenado, como ocorre com Fidel, que exige que cada prato feito por seus dois
chefs particulares seja provado antes
por um funcionário ou pelo guarda-costas. Suas roupas, depois de lavadas e
passadas, são submetidas a um teste de detecção de radiação.
Com o fim dos
repasses de dinheiro da União Soviética para Cuba, no início da década de 90,
conta o ex-guarda-costas, Fidel organizou um esquema de venda no mercado negro
de diamantes contrabandeados de áreas de conflito na África e passou a vender
serviços a traficantes colombianos. “Para Fidel, o narcotráfico era uma
arma de luta revolucionária antes de ser um meio de enriquecimento ilícito”, escreveu
Sánchez, que trabalhou com Fidel entre 1977 e 1994.
Ele foi demitido
depois que o seu irmão fugiu de balsa para os Estados Unidos. Para Fidel, era
inadmissível ter ao seu lado alguém que não previu que dentro de sua família
havia “traidores da revolução”. Sánchez foi preso. Depois de dois anos na
cadeia, passou uma década tentando fugir do país. Conseguiu em 2008, e levou
consigo alguns segredos de Fidel.
Fonte: Veja 2376 Ano 47 n.23, de 4/6/2014 p.78-81.
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