quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

A UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA: dilemas e perspectivas


Por José Jackson Coelho Sampaio (*)
O Brasil não tem política nacional de ensino superior, embora a expansão acelerada de instituições, cursos e vagas.
No Brasil, hoje, a universidade pública traz a memória de uma instituição milenar, história, ritos, defesa da autonomia e zelo pela publicização do conhecimento, mas, como organização jovem, menos que secular, reage diante da pletora de demandas acumuladas e da ameaça de estraçalhamento por racionalidades antagônicas.
Nossa jovem universidade, parte e expressão de um país com população de 200 milhões e cobertura ínfima de educação superior, é herdeira de um percurso elitista, fruto de séculos de colonialismo escravocrata. E sua evolução repete a ocidental, de modo deslocado e em tempo superacelerado: há que incorporar as mudanças de um milênio em um século, mesmo quando localmente não são requeridas, há que desenvolver etapas seguintes, quando as anteriores não foram cumpridas e há que fazer o de hoje e o de ontem.
Exige-se das universidades públicas a oferta de Licenciaturas, para formar os professores da educação básica; a oferta de Bacharelados, para formar as profissões liberais que não mais se reproduzem no mercado liberal de trabalho; a oferta de Mestrados e Doutorados, para formar professores universitários e pesquisadores, carreiras que se realizam no mercado público de trabalho; a pesquisa científica básica, teórica, universalmente publicizada, que requer alto investimento a fundo perdido; a pesquisa aplicada, de ajuste e customização, que é eventualmente apoiada, mas ocorre pelo interesse de pesquisador empreendedor; a inovação tecnológica é estimulada, contanto que financiada por meio de renúncia fiscal e para apropriação das patentes; e, como resultado de ensino, pesquisa e das carências do País, desdobra-se a extensão social.
O Brasil não tem política nacional de ensino superior, embora a expansão acelerada de instituições, cursos e vagas. Confunde-se formação de profissionais para o mercado de trabalho e produção de conhecimento novo num só processo. Confundem-se as missões das instituições privadas com as públicas. Criam-se falsas contradições entre as funções dos níveis hierárquicos, federal e estadual, mesmo quando a lei estabelece a responsabilidade concomitante. O poder público cria universidades, sente-se forçado a mantê-las, mas gostaria de transferir a responsabilidade.
As crises vividas são extraordinárias: política que não estabelece as bases de um forte sistema nacional; autonomia decisória truncada sobre o perfil inarticulado das missões; demandas de médio e longo prazo sustentadas por financiamento estrutural ínfimo e pontual; estraçalhamento de demandas emergenciais, sem articulação interministerial e entre níveis de governo; carreira docente burocrática e bancária em contradição com processo acadêmico de trabalho; competição de prioridades onde tudo é prioridade; e cultura corporativa imediatista prevalente em Estado, Mercado e Sociedade.
Sobre o gestor público acadêmico e seus dispositivos coletivos de gestão paira a certeza de serem os suportes cotidianos da prática democrática, nos bons tempos e nos tempos de exceção. A universidade pública deve atuar na solução dos problemas presentes, mas sua lógica fundamental aponta para o distanciamento estratégico, gerando competência e consciência críticas.
(*) Professor titular em saúde pública e reitor da Uece.
Publicado. In: O Povo, Opinião, de 12/11/16. p.11.

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