Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Após a falência das
grandes narrativas ideológicas, a pergunta: Você é de direita ou de esquerda? -
perdeu o significado. Mesmo assim acredito que a resposta merece uma
perquirição. No mínimo um grande recuo histórico de mais de dois séculos.
Que seria do termo ser
de direita ou ser de esquerda se os representantes antimonárquicos não se
tivessem sentado à esquerda na primeira reunião da Assembleia dos Estados
Gerais, nos idos de 1789?
E como seria se
assentar à direita ou à esquerda fosse consequência de qualquer razão objetal
(termo psicanalítico).
O que importa é o
sentido político de ser a favor do poder vigente (seja do clero, das classes
aristocráticas ou de um governo ‘popular’).
A maioria dos que se
sentaram à direita na Assembleia dos Estados Gerais, era a favor dos
privilégios clérigos-aristocráticos, enquanto os sentados à esquerda defendiam
o direito das classes trabalhadoras ou camponesas. Quem se senta à direita,
desde então, passou a ser considerado defensor do conservadorismo, do Poder
estabelecido. A direita é o lado correto, desde quando o filósofo “Platão”
(Atenas 428/427 – Atenas, 348/347 a.C.) escreveu na sua República: os justos
devem ascender pelo lado direito, pois é frequente considerar o lado direito
como o lado bom; até o Bom Ladrão foi crucificado à direita de Jesus.
No século XIX e XX,
acontece uma valorização do lado esquerdo, com influência do feminismo, ecos da
maternidade e do período romântico. Confesso que dificilmente encontrei alguma
das obras de arte de Maria alimentando o menino Jesus na mama direita. Na
maioria das vezes, estava mamando a esquerda. Uns dizem que isso é porque a
mama esquerda reflete os batimentos cardíacos, som que o embrião e feto ouvem
com mais frequência durante o período gestacional.
Essa explicação é fruto
da minha imaginação de colecionador, jamais encontrei alguma bibliografia sobre
o assunto. A tradição iconográfica e iconológica atribui à esquerda as cores da
ameaça do mau. Mesmo assim, não devemos esquecer que existem várias esquerdas e
inúmeras variantes da direita: o “estado de bem-estar social” ou qualquer outra
designação, não foi obra exclusivamente das pessoas da direita ou da esquerda.
Churchill foi um direitista e veja como ele se comportou durante a Segunda
Guerra Mundial...
O importante é saber,
antes de tudo, onde está situado o ponto que separa os homens da esquerda dos
de direita. Sem haver algum marco divisório é geograficamente impossível
classificar a posição relativa de qualquer objeto. Quem desejar ser de esquerda
ou de direita não deve esquecer que a humanidade é constituída de pessoas
diferentes que têm como meta rumos diversos na vida— por sua conta e risco.
Lembro que estou longe
de defender a ausência de Estado, mas exijo que ELE garanta uma proteção mínima
para todos, sejam vitoriosos ou perdedores do jogo político e não seja
demasiado severo para com o lado perdedor. A vida é muito dinâmica. As ideias
têm um anverso e um reverso e é quase impossível averiguar qual é o lado em que
se encontra a própria realidade. Se isso é ser de direita, então eu sou de
direita.
Nota: Artigo publicado primeiro no Diário da
Redação em 08/11/13 sob o título: 'Ser de
Direita ou de Esquerda?'
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
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