quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

A SÍNDROME DE ESTOCOLMO E O HOMEM CORDIAL

Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
(Quando é que Vamos Deixar de ter Peninhas¹?)
A Síndrome de Estocolmo (Stockholmssyndromet, em sueco) é um distúrbio mental apresentado por pessoas que foram vítimas de sequestro ou de torturas. A expressão foi cunhada pelo psiquiatra e criminologista Nils Bejerot, que ajudou a polícia durante o assalto ao Banco Kreditbanken, ocorrido em 1973, em Estocolmo, na Suécia.
Neste sentido, pela primeira vez, conseguiu-se registrar como o “Eu” de uma vítima buscava se moldar a algumas características do sequestrador/torturador, como um mecanismo de defesa, ou talvez, segundo explica a Psicologia, como uma expiação de culpas inconscientes.
A mídia destacava o fato de que as vítimas, em seus depoimentos realizados após o resgate, pareciam simpatizar com os criminosos, destacando certas gentilezas recebidas deles, que as haviam mantido em cárcere privado no interior de uma agência bancária cercada pela polícia por mais de seis dias. Isso permaneceu como um fator inexplicável. Soube-se que uma das vítimas se casou com um dos assaltantes e que outro integrante do bando, durante sua permanência no cárcere, recebia cartas apaixonadas de uma refém.
Trabalhos posteriores sobre a relação de parceria/afinidade entre vítimas e agressores, ou seja, torturados e torturadores, passaram a ser pesquisados em outras condições, a exemplo de cenários de guerras, com sobreviventes de campos de concentração, indivíduos que foram submetidos à prisão domiciliar por parte de familiares, vítimas de abusos de diversas ordens, e mulheres e crianças submetidas à violência doméstica.
Como pediatra, muitas vezes pude observar, por ocasião dos depoimentos, crianças e adolescentes que foram barbaramente agredidas pela mãe, pelo pai ou por outro adulto responsável por sua guarda, defenderem o agressor ou agressora.
Com o tempo, os torturadores começam a parecer menos ameaçadores e passam a ser compreendidos menos como agressores e mais como instrumentos de sobrevivência e de proteção. A vítima passa a sofrer, então, uma ilusão autoimposta em uma tentativa de sobrevivência psicológica, além de física. E, no intuito de reduzir o inimaginável estresse de sua situação, começa a acreditar que os torturadores, agressores ou carcereiros sejam seus amigos, que não a matarão, e que as duas partes podem mutuamente ajudar-se.
Desse modo, as pessoas do lado de fora, que se esforçam para lhes resgatar dos seus captores, parecem-lhes mais ameaçadoras que os próprios criminosos.
Esta síndrome, também conhecida como Vinculação Afetiva de Terror ou Traumática, não é reconhecida por dois importantes manuais de psiquiatria: o "Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders" (DSM, ou Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e o "International Classification of Diseases" (ICD, ou Classificação Internacional de Doenças).
Quanto a muito discutida cordialidade do brasileiro, vale conferir: HOLANDA, Sérgio Buarque de. O homem cordial. In: Raízes do Brasil: 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; receio que venhamos a fatiar/abrandar as sentenças dos verdadeiros culpados de corrupção muito embora não sendo ingênuo de acreditar que a situação nacional no presente tem muitas outras causas que estão fora do Petrolão, sinônimo atualmente de corrupção.
Há! Se fosse apenas isso. Pobre nação.
Quando é que vamos deixar de ter peninhas?
***
¹Peninha - Termo diminutivo de pena, geralmente usado no sentido de lástima, de tristeza.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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