sexta-feira, 30 de junho de 2017

COMPOSIÇÕES POÉTICAS DE QUINTINO CUNHA I


Encontro das Águas 

Por Quintino Cunha
 

Vê bem, Maria aqui se cruzam: este

É o Rio Negro, aquele é o Solimões.

Vê bem como este contra aquele investe,

como as saudades com as recordações.
 

Vê como se separam duas águas,

Que se querem reunir, mas visualmente;

É um coração que quer reunir as mágoas

De um passado, às venturas de um presente.
 

É um simulacro só, que as águas donas

D'esta região não seguem o curso adverso,

Todas convergem para o Amazonas,

O real rei dos rios do Universo;
 

Para o velho Amazonas, Soberano

Que, no solo brasílio, tem o Paço;

Para o Amazonas, que nasceu humano,

Porque afinal é filho de um abraço!
 

Olha esta água, que é negra como tinta.

Posta nas mãos, é alva que faz gosto;

Dá por visto o nanquim com que se pinta,

Nos olhos, a paisagem de um desgosto.
 

Aquela outra parece amarelaça,

Muito, no entanto é também limpa, engana:

É direito a virtude quando passa

Pela flexível porta da choupana.
 

Que profundeza extraordinária, imensa,

Que profundeza, mais que desconforme!

Este navio é uma estrela, suspensa

N'este céu d'água, brutalmente enorme.
 

Se estes dois rios fôssemos, Maria,

Todas as vezes que nos encontramos,

Que Amazonas de amor não sairia

De mim, de ti, de nós que nos amamos!...  

 

Nublado 
 
Por Quintino Cunha 

O Sol quis ver a terra hoje. A invernia

Só uma nuvem formou no firmamento;

Queria vê-la, ao menos um momento,

Mas mesmo esse momento não podia.
 

Porque o sombrio, o torvo, o pardacento

Dessa nuvem ao Sol não permitia

Ver uma flor sequer. Passou-se o dia

Quase que num perfeito enlutamento.
 

Quis ver a terra, mas a tarde veio,

Depois a noite, que o ocultou no meio

Dos seus escuros e tristonhos folhos.
 

Maria, eu sou direito esse sol-posto:

Há dias em que a nuvem de um desgosto

Não quer que eu veja a terra dos teus olhos!...
 

 

Spes Única! 

Por Quintino Cunha
 

Morto, dentro da fria sepultura,

Sem te poder falar?

E tu que me amas, boa criatura,

Indo me visitar...
 

Banhada de suspiros, de soluços,

Desmaiada, talvez...

Muita vez reclinada, até de bruços,

Na altura dos meus pés;
 

Pedindo a Deus o meu viver eterno

Junto das glórias suas;

Que me livre das penas do inferno...

E a chorar continuas,
 

Lembrando nossa vida, a todo instante,

Repassada de dor...

A lembrar-te que fui o teu amante

- O teu único amor!
 

Mal pensando na horrífica caveira,

Em que me transformei,

Exausto de fadiga, de canseira,

Imaginar não sei...
 

Para evitar essa hora amargurada,

Esse quadro de dor tão verdadeiro,

Deus há de ser servido, minha amada,

Que tu morras primeiro!...
 

Fonte: Ceará Moleque.

 

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