Encontro das Águas
Por Quintino Cunha
Vê bem,
Maria aqui se cruzam: este
É o Rio
Negro, aquele é o Solimões.
Vê bem
como este contra aquele investe,
como as
saudades com as recordações.
Vê como
se separam duas águas,
Que se
querem reunir, mas visualmente;
É um
coração que quer reunir as mágoas
De um
passado, às venturas de um presente.
É um
simulacro só, que as águas donas
D'esta
região não seguem o curso adverso,
Todas
convergem para o Amazonas,
O real
rei dos rios do Universo;
Para o
velho Amazonas, Soberano
Que, no
solo brasílio, tem o Paço;
Para o
Amazonas, que nasceu humano,
Porque
afinal é filho de um abraço!
Olha
esta água, que é negra como tinta.
Posta
nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por
visto o nanquim com que se pinta,
Nos
olhos, a paisagem de um desgosto.
Aquela
outra parece amarelaça,
Muito,
no entanto é também limpa, engana:
É
direito a virtude quando passa
Pela
flexível porta da choupana.
Que
profundeza extraordinária, imensa,
Que
profundeza, mais que desconforme!
Este
navio é uma estrela, suspensa
N'este
céu d'água, brutalmente enorme.
Se
estes dois rios fôssemos, Maria,
Todas
as vezes que nos encontramos,
Que
Amazonas de amor não sairia
De mim,
de ti, de nós que nos amamos!...
Nublado
Por Quintino Cunha
O Sol
quis ver a terra hoje. A invernia
Só uma
nuvem formou no firmamento;
Queria
vê-la, ao menos um momento,
Mas
mesmo esse momento não podia.
Porque
o sombrio, o torvo, o pardacento
Dessa
nuvem ao Sol não permitia
Ver uma
flor sequer. Passou-se o dia
Quase
que num perfeito enlutamento.
Quis
ver a terra, mas a tarde veio,
Depois
a noite, que o ocultou no meio
Dos
seus escuros e tristonhos folhos.
Maria,
eu sou direito esse sol-posto:
Há dias
em que a nuvem de um desgosto
Não
quer que eu veja a terra dos teus olhos!...
Spes Única!
Por Quintino Cunha
Morto,
dentro da fria sepultura,
Sem te
poder falar?
E tu
que me amas, boa criatura,
Indo me
visitar...
Banhada
de suspiros, de soluços,
Desmaiada,
talvez...
Muita
vez reclinada, até de bruços,
Na
altura dos meus pés;
Pedindo
a Deus o meu viver eterno
Junto
das glórias suas;
Que me
livre das penas do inferno...
E a
chorar continuas,
Lembrando
nossa vida, a todo instante,
Repassada
de dor...
A
lembrar-te que fui o teu amante
- O teu
único amor!
Mal
pensando na horrífica caveira,
Em que
me transformei,
Exausto
de fadiga, de canseira,
Imaginar
não sei...
Para
evitar essa hora amargurada,
Esse
quadro de dor tão verdadeiro,
Deus há
de ser servido, minha amada,
Que tu
morras primeiro!...
Fonte: Ceará Moleque.
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