Médico-Psicoterapeuta
Marginal é
uma pessoa que age como um delinquente, vivendo à margem das normas éticas da
sociedade, e que empreende um caminho oposto ao seu grupo social. Os
dicionários referem-se ao vocábulo como alguém de quem se fala com desprezo, ou
que vive entre duas culturas em conflito.
Inserido
nesse contexto, vou analisar, a seguir, o caso do escritor Franz Kafka, nascido
em Praga, no dia 3 de julho de 1883, e falecido em Klosterneuburg, em 3 de
junho de 1924.
Como um
judeu, ele não pertencia ao mundo cristão, contudo, era indiferente à religião
de seus ancestrais. Como escritor de língua alemã, ele não pertencia ao povo
tcheco, mas, também, não era alemão da Boemia. Como boêmio, não podia ser
considerado, inteiramente, um austríaco. Em seu trabalho como burocrata, nos
escritórios do Instituto de Seguros para os Operários, não pertencia à
burguesia. Era filho de um pequeno burguês, mas, não era aceito pelo
operariado.
Tampouco
pertencia ao escritório onde trabalhava: ele era um escritor. No entanto, nem
escritor podia se considerar, já que sua energia estava voltada para a família.
E, até entre os familiares, exclamava angustiado: Eu vivo na minha própria
família como se fosse um estranho!
Por sua vez,
entre os judeus, seu pertencimento era também complicado. Ele não se sentia
como os hebreus da Europa Ocidental, que possuíam um judaísmo culto,
civilizado, liberal; nem pertencia ao grupo de judeus do Leste Europeu.
Possuidores de uma maior identidade judaica, esses últimos não aceitavam Kafka
como um dos seus. Eles tinham uma vida miserável, em pequenos e pobres
vilarejos, ao passo que o escritor advinha de um nível econômico mais elevado.
Não se pode atribuir, ainda, a grandeza da obra literária de Kafka, ao fato
dele se tratar de um judeu marginal.
Em seu livro O
Processo, o escritor registra sua profetização macabra em relação ao
futuro da humanidade, alertando que o sofrimento de angústia representa o
martírio do homem atual.
A obra
literária de Franz Kafka ultrapassou sua condição judaica, passando a ser
universal. É uma epopeia de frustrações, uma procura inútil e vã da
integração (ou adesão social) do autor ao seu local de nascimento, sem com isso
perder a própria identidade. O fato de sua obra ter uma imensa repercussão, não
pode ser explicado por ela ter sido escrita por um judeu “marginal”.
Cabe
ressaltar que as irmãs de Kafka morreram em um campo de concentração, sem
saberem o porquê de serem exterminadas. E o célebre escritor era para ter tido
o mesmo fim, caso a tuberculose não houvesse ceifado sua vida precocemente.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros
neonatologistas brasileiros.
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