Minhas curubas
nas mãos de Deus
Deliberadamente contraditório, chegou a um ponto de espiritualização tal
que nem a morte lhe mete medo. pelo menos é o que diz.
Poeta Jair Morais dos Cachorros da Vila União - você não
“ixeste”! Se não existisse, teríamos de inventá-lo. Impagável. Amigo generoso,
fuleiro. E sábio. Tanto estudou na cartilha da querida Dudu (ainda moradora do
beiço da Lagoa do Opaia) que é hoje referência no Parreão. Provarei a
catilogência de Jair em três chibatadas.
1ª - O conhece-te a
ti mesmo jairiano
Tomávamos caldo de panelada do mercado São Sebastião
quando ele disparou sem dó nem piedade: “O
autoconhecimento é um processo transformador, o maior investimento que podemos
fazer por nós mesmos. Quando nos conhecemos, não reagimos impulsivamente aos
nossos processos internos e à vida e, sim, desenvolvemos uma conexão consciente
com nosso ‘eu’ e com o mundo externo”.
- Égua do macho!!! –
gritamos nós.
Deveras invocado, pois, com o bodejado filosofal, ficamos
à moda merda n’água. Foi aí que ele, sempre mesclando exemplo para melhor
esclarecer suas verdades, pontuou, derramando mancheia de farinha no prato:
- Eu tinha curubas nos membros superiores e disse,
convencido de que um dia ficaria curado: “Deixo
minhas curubas nas mãos de Deus!”
2ª – Ganha, Vovô,
ganha!
“Deliberadamente
contraditório”, chegou a um ponto de
espiritualização tal que nem a morte lhe mete medo. Pelo menos é o que diz.
Lascado de gogo, desses que promovem insustentável tosse de cachorro doido, o
moribundo Jair trava simpático diálogo com “a
ceifeira dos sonhos”. Ela se antecipa.
- E aí, poeta? Preparado pra dar uma voltinha comigo?
- Claro!
- Pois vamos!!!
- Agora não!
Deixa terminar o jogo do Ceará! Essa praga não ganha uma!
3ª – O ‘iscandêlo’
Jair recebe uma colega de trabalho em casa, a cantora de
brega Jarina Carolina. É domingo. Lá pras tantas, pergunta se ela aceita “comer uns bolim de goma”,
enfurnados no congelador da geladeira há meses.
- Requento bem
ligerim! Quer uns dois ou três?!?
- Sim! Só me faça um favor: não esquente eles no forno
micro-on...
- Por quê?
- Dá “cânço”!!!
Jarina Carolina mal termina de pronunciar a doença em que
“as células anormais se dividem
incontrolavelmente e destroem o tecido do corpo”
e Jair solta o grito mais tonitruante que já se ouviu no mundo:
-
Nãããããoooooo!!! Diga isso ñãããããoooooo!!! Pelo amor de Deus, ñãããããoooooo!!!
Tomada de graúdo espanto, corre a amiga pra acudir Jair,
caído ao chão, estatelado, amarelo, todo se tremendo e uma baba estranha
descendo pelo canto da boca.
- Foi porque eu falei que o micro-ondas dá canço? – pergunta a cantora, aflita.
E o poeta, entreabrindo os olhos remelentos...
- Não,
Jarininha! Aqui em casa nem isso tem!
- E por que o passamento desse modelo, o alvoroço desse
tamanho?
- Porque se eu
usasse essa praga, tava morto fazia era tempo!!!
Fonte: O POVO, de 25/5/2018.
Coluna “Aos Vivos”, de Tarcísio Matos. p.2.
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