quinta-feira, 28 de maio de 2020

EM TEMPOS DE QUARENTENA


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
… Esses aglomerados tendem a crescer cada vez mais, pois as pessoas usam as “compras” como sua única razão legítima para sair de casa. Isso piora o problema de excesso de compras e estocagem, levando as lojas e agências governamentais a impor racionamento adicional ao público entediado e estressado…
“Ame os teus inimigos, pois eles te mostram os seus defeitos”
(Benjamin Franklin 1706-1790).
A minha mulher ficou horrorizada, ao ir ao supermercado no sábado passado, com o número de pessoas, velhos e crianças, mulheres e homens passeando na loja, fazendo compras ou zanzando. Sei que a quarentena terá um sério impacto econômico sobre muitas pessoas e suas famílias, sem falar nos sofrimentos mentais.
De chamar a atenção é a crença nas teorias da conspiração mundial, que continua forte entre muitas pessoas. Segundo a pesquisa do Pew Research Center, 23% dos americanos acreditam que o vírus causador do COVID-19 foi criado intencionalmente em laboratório chinês ou russo. A fantasia de uma conspiração de algo universal e secreto continua presente nas mentes das pessoas, apesar dos avanços da ciência e da tecnologia.
Mas voltemos à realidade e à vida como ela é para analisar essa pandemia causada pela décima nona mutação do coronavírus. Os governos municipais intervêm, fechando parques e praias, limitando as atividades ao ar livre a viagens “essenciais”, fechando restaurantes e até… os salões ditos de beleza.
… A chave do nosso sucesso pode nos arruinar, cabe a nós fazer a melhor escolha diante de um inimigo invisível. Lembrem-se que o pior inimigo do homem é o próprio homem.
Ordenando o fechamento de tudo e de todos. Diante disso, as pessoas recorrem cada vez mais às compras como uma de suas poucas razões legítimas para se aventurar a sair de casa. Já vimos a formação de aglomerados de pessoas em supermercados e outras lojas que vendem alimentos, etc.
Esses aglomerados tendem a crescer cada vez mais, pois as pessoas usam as “compras” como sua única razão legítima para sair de casa. Isso piora o problema de excesso de compras e estocagem, levando as lojas e agências governamentais a impor racionamento adicional ao público entediado e estressado. Nesse cenário, a ansiedade de ficar preso na própria residência faz com que as pessoas queiram sair de casa, nem que seja para uma comprinha, necessária ou dispensável. Em toda a história humana, viver com outros da mesma espécie possibilitou segurança, alimento e parceiros para a perpetuação da espécie.
Talvez por isso o ‘homo’ – dito sapiens – foi viver em grupos, o que ajudou a enfrentar as feras e conseguir alimento, já que as tarefas eram divididas. Além disso, machos e fêmeas não precisavam sair por aí em busca de parceiros e parceiras. Tudo estava mais próximo nas mesmas cavernas ou tribos. O desenvolvimento do cérebro levou à criação da linguagem, à construção de objetos, moradias, veículos e muitas outras facilidades. O poder do Homem sobre si mesmo é cada vez mais reduzido, apesar do aumento do nosso conhecimento e dos avanços científico-tecnológicos.
A chave do nosso sucesso pode nos arruinar, cabe a nós fazer a melhor escolha diante de um inimigo invisível. Lembrem-se que o pior inimigo do homem é o próprio homem.
Certamente esse coronavírus serve para mostrar as nossas culpas e enganos nesta era da automação, da informática e da inteligência artificial e mostrar também que somos todos parte da mesma Natureza. Somos animais e – como todos os seres vivos — mortais.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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