Por Márcia Alcântara Holanda (*)
O
suicídio de Manu, no final da quarentena instituída no Brasil, para controle do
contágio maciço entre pessoas pelo Sars-CoV-2, abalou profundamente sua amiga
Rita. Nomes fictícios para histórias reais, mais próximas do que imaginamos.
Ela entrou num estado de luto torpe, pela desoladora perda daquele ente muito
querido. Manu não deixara carta, havia se queixado de estar vivendo imensa
tristeza, solidão, e de ser "um velho que só servia para pegar
doença". Pois não é que, alguns dias depois, Rita zapeou para mim algo
muito preocupante. Falou: "Não sei o que faça da vida, Manu estava certo:
não dá para aguentar essa tristeza, o medo e a solidão. Penso que é melhor
mesmo sair do mundo."
Os
idosos na quarentena sentiram-se velhos e alguns se tornaram solitários e
invisíveis. Às vezes, quase parando de funcionar, por causa de sua maior
vulnerabilidade, do que a dos demais seres. Lembrei-me, de novo, dos ensinamentos
de Andrew Solomon, em Um crime da solidão, que diz que o suicídio é
contagiante. Citou um estudo do CDC (Control
Disease Center), dizendo que no mês seguinte ao suicídio do ator Robin
William, a taxa de mortes por essa causa nos Estados Unidos subira 10%, numa
clara relação entre o exemplo de Robin e a atitude de copiá-lo por muitos que,
provavelmente, já haviam idealizado suicidar-se.
Rita
contagiou-se com o suicídio de Manu. Era o contágio de momento, em que o desejo
de morte se apresenta por causas externas, resolvíveis, como o luto, por
exemplo. Seria então preciso ajudá-la para preveni-la de um desenlace pior,
cuidando de: acreditar nela, escutá-la com atenção, afastá-la de possíveis
situações sedutoras da morte, acolhê-la sem restrições, dissuadi-la de culpa e
oferecer-lhe acesso à terapia apropriada. A cartilha da Fiocruz com o tema
Suicídio na pandemia da Covid-19, de 26/05/2020, oferece esses caminhos para
evitar o contágio por suicídios.
Foi
pela fala que Rita abriu então sua alma e disse muito sobre sua bela e intensa
relação com Manu. Relatou muitos fatos sobre tal, chorou e se riu deles,
liberou as emoções, sentiu a vida e amenizou o luto. Resolveu então, depois de
alguns dias de terapia da palavra, retornar aos encontros virtuais com seus grupos
de WhatsApp, que havia interrompido, e a vida continuou diferente, mas livre do
contágio pelo suicídio.
(*) Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter; membro da Academia Cearense de
Medicina.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 23/9/2020. Opinião. p.21.
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