quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A FÉ E A MORTE

Por Pe. Reginaldo Manzotti (*)

O mês de novembro nos convida a refletir sobre a vocação à santidade, a qual é inerente a todos nós. Nesse mês, em vista do dia de finados, refletimos também na efemeridade da vida, e como superar a dor da perda. Viver é um aprendizado, e experimentar perdas faz parte da nossa trajetória desde que nascemos, passamos por elas aceitando-as com certa naturalidade, e nesse caminho adquirimos conhecimento, capacidades e sabedoria.

Contudo, existem também outras áreas de nossa vida em que as perdas provocam grande sofrimento e precisam ser elaboradas para que não se transformem em um sofrimento permanente. Estamos vivendo uma situação extrema, onde muitas vidas foram perdidas para a terrível a Covid 19, causada pelo novo coronavírus. É difícil de aceitar que aqueles que amamos estavam bem, e de uma hora se foram. Especialmente quando não podemos velá-los e sepultá-los com a dignidade que mereciam, para evitar o contagio, medidas necessárias de segurança, mas difíceis.

As perdas ferem e chorá-las é necessário. Sem dúvida, a perda de alguém querido é uma das maiores dores que o ser humano pode sentir. Para ela, nunca estamos preparados.

Deus não mandou a pandemia e quando me questionam sobre o porquê da morte, sempre faço questão de reforçar que essa nunca foi a vontade de Deus. A morte é uma contingência humana, ou seja, faz parte da fragilidade do ser humano e entrou no mundo pelo Pecado Original. “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5, 12).

A perda provoca em nós uma reação imediata que é chamada de luto. Trata-se de um processo que pode se estender por mais ou menos tempo, e a maneira de vivenciá-lo depende de cada um e do quão significativo é aquele ou aquilo que foi perdido. Segundo os especialistas, em geral o luto é marcado, num primeiro momento, pelo choque diante do inesperado ou do incontrolável, gerando uma espécie de anestesia, principal indicador de que a perda ainda não foi assimilada.

Depois, vem a fase em que a “ficha cai”, como se diz popularmente. Nela, entendemos a dimensão do ocorrido, mas resistimos em aceitar; muitos chegam a acreditar que irão acordar e a realidade será outra. Quando, finalmente, percebemos que nada mudará, vem o sofrimento, o choro, a falta que a pessoa começa a fazer. Então, chega o momento da revolta e também da culpa, quando entra em cena o “se”: “se tivesse feito diferente”, “se isso...”, “se aquilo...” Por fim, como em outras perdas, chega a aceitação e o necessário retorno à rotina.

Fiz essa detalhada descrição para enfatizar que é muito importante vivenciar integralmente o luto e, assim, conseguir superar a perda e continuar a viver. Não podemos ignorar a ausência de um ente querido, mas temos de aprender a seguir em apesar disso, evitando a instalação de um sofrimento desordenado e duradouro, que traria consequências negativas para a saúde do corpo, da mente e do espírito. No caso da morte, superar a perda não significa esquecer aqueles que amamos e já partiram, pois o amor não termina com a interrupção da vida biológica. O amor é redirecionado. Os mortos não fazem mais parte da nossa vida terrena, mas continuam em nosso coração e, se dóceis à graça de Deus, no céu. A saudade e a lembrança devem ser cultivadas; o sofrimento, não.

A fé é determinante para encarar a morte como início de nova etapa, e seu fundamento está na Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo e na certeza de que Aquele que O ressuscitou também nos ressuscitará, como ensina São Paulo: “Deus, que ressuscitou o Senhor, ressuscitará também a nós pelo seu poder“ (1 Cor 6, 14).

(*) Fundador e presidente da Associação Evangelizar é Preciso e pároco reitor do Santuário Nossa Senhora de Guadalupe, em Curitiba (PR).

Fonte: O Povo, de 21/11/2020. Opinião. p.16.

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