Um homem derrotado pela liseira
Os
sintomas não poderiam ser mais característicos da doença que ataca 10,5
cearenses em cada 11: vontade de comer areia do rio com creolina a 69% e a
ideia fixa de quanto deve, de quanto não tem a receber e de quanto poderia
investir se fosse um Dias Branco. Sem contar que é escorregadio, pede emprestado
pra jogar na mega-sena e no Totolec e adeus devolução do dinheiro.
Percebe-se
ao longe a existência de um bicho desses pela lapa das orelhas e a inhaca de
cachorro molhado que dele irradia - energia densa, impregnada de blackout e a
secura por chupar picolé do palito premiado. Torce pelo alvinegro, ronca e baba
de ruma; dá bom dia a ninguém e é alérgico à paçoca. Caspa ali é que nem
coceira de macaco. A impingem, no primeiro terço do pescoço, é metáfora.
Dorme
emborcado pra não cair e quebrar o pau da venta. Doido por farinha. Se a mulher
deixar, passa pra lei dos crentes ligeiro - no templo, soube por outro
acometido desse mal, o milagre é bem rasinho. Não termina um capítulo de novela
da Globo. E aqui uma contradição - tem esmorecimento no corpo, mas se pudesse,
vivia batendo perna no mundo, a procura de... Muda de número de celular como
quem muda uma muda de roupa, por motivos óbvios.
De
graça, toma tudo que é vacina, só não cura essa liseira. Doença monstra!
Até pra coar café
serve!
Matuto
das brenhas, acostumado a "se alimpar" com sabugo e folha de
marmeleiro, Lulu foi apresentado a um rolo de papel higiênico quase aos 18
anos. Bonitão e trabalhador, até que se deu bem na vida, casou-se com uma prima
da cidade, de modos requintados - gente fina. Conheceram a Argentina.
Encantada
com esse "papel fino e absorvente, que se desmancha em contato com a água,
utilizado para uso sanitário e higiene pessoal, comumente utilizado para a
limpeza íntima" após obrar ou escorrer o cipó, ela encontrou por lá uma marca
cheirosa a sândalo, folhas quíntuplas, picotes rosas a cada palmo, carinhas de
um ídolo do futebol portenho de um lado e poemas de amor do outro. Encantou-se.
O
mercantil ficava no centro de Córdoba. Feliz que só com o amor a tiracolo,
pediu que ele "me visse 100 rolos do argentino papel especial de limpar as
partes, único na América do Sul", sob a desculpa de que seria essa melhor
lembrança da viagem. Lulu não se conteve.
- Gilda, Gilda! Homi, papel higiênico é o mesmo em qualquer parte do
mundo naquela parte do corpo. Caneco é caneco, aqui, em Londres e no
Caxitoré!!!
Pedindo voto no
cemitério
Dona
Neinha no enterro do primo Elesbão, quase da mesma idade dele - 89 anos. E lá
ela está, ainda no corpo de carne, participando de mais um adeus a familiar querido.
Da igrejinha do campo santo até a cova, o cortejo atravessa uma quadra. A
velhinha é uma das últimas. A metros, da cova, o pé dela atola num buraco de
formigueiro, exatamente no jazigo de um ex-prefeito.
- Míura (sobrinha
de Neinha), meu pé tá preso...
- Péra, tia! Vou
ajudar a senhora a arrancar esse pé daí. Força!
Nada
de o pé da octogenária sair. Enterro de Elesbão quase concluído e a senhora com
o pé engasgado no buraco de formiga do jazigo do prefeito enterrado há anos.
- Tia, vou chamar o
povo da família que tá acolá.
- Carece não. Já
sei. Esse homem não larga do meu pé. O caso dele é reza...
Fonte: O POVO, de 3/04/2020.
Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos.
p.2.
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