sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Crônica: “Um homem derrotado pela liseira” ... e outros causos

Um homem derrotado pela liseira

Os sintomas não poderiam ser mais característicos da doença que ataca 10,5 cearenses em cada 11: vontade de comer areia do rio com creolina a 69% e a ideia fixa de quanto deve, de quanto não tem a receber e de quanto poderia investir se fosse um Dias Branco. Sem contar que é escorregadio, pede emprestado pra jogar na mega-sena e no Totolec e adeus devolução do dinheiro.

Percebe-se ao longe a existência de um bicho desses pela lapa das orelhas e a inhaca de cachorro molhado que dele irradia - energia densa, impregnada de blackout e a secura por chupar picolé do palito premiado. Torce pelo alvinegro, ronca e baba de ruma; dá bom dia a ninguém e é alérgico à paçoca. Caspa ali é que nem coceira de macaco. A impingem, no primeiro terço do pescoço, é metáfora.

Dorme emborcado pra não cair e quebrar o pau da venta. Doido por farinha. Se a mulher deixar, passa pra lei dos crentes ligeiro - no templo, soube por outro acometido desse mal, o milagre é bem rasinho. Não termina um capítulo de novela da Globo. E aqui uma contradição - tem esmorecimento no corpo, mas se pudesse, vivia batendo perna no mundo, a procura de... Muda de número de celular como quem muda uma muda de roupa, por motivos óbvios.

De graça, toma tudo que é vacina, só não cura essa liseira. Doença monstra!

Até pra coar café serve!

Matuto das brenhas, acostumado a "se alimpar" com sabugo e folha de marmeleiro, Lulu foi apresentado a um rolo de papel higiênico quase aos 18 anos. Bonitão e trabalhador, até que se deu bem na vida, casou-se com uma prima da cidade, de modos requintados - gente fina. Conheceram a Argentina.

Encantada com esse "papel fino e absorvente, que se desmancha em contato com a água, utilizado para uso sanitário e higiene pessoal, comumente utilizado para a limpeza íntima" após obrar ou escorrer o cipó, ela encontrou por lá uma marca cheirosa a sândalo, folhas quíntuplas, picotes rosas a cada palmo, carinhas de um ídolo do futebol portenho de um lado e poemas de amor do outro. Encantou-se.

O mercantil ficava no centro de Córdoba. Feliz que só com o amor a tiracolo, pediu que ele "me visse 100 rolos do argentino papel especial de limpar as partes, único na América do Sul", sob a desculpa de que seria essa melhor lembrança da viagem. Lulu não se conteve.

- Gilda, Gilda! Homi, papel higiênico é o mesmo em qualquer parte do mundo naquela parte do corpo. Caneco é caneco, aqui, em Londres e no Caxitoré!!!

Pedindo voto no cemitério

Dona Neinha no enterro do primo Elesbão, quase da mesma idade dele - 89 anos. E lá ela está, ainda no corpo de carne, participando de mais um adeus a familiar querido. Da igrejinha do campo santo até a cova, o cortejo atravessa uma quadra. A velhinha é uma das últimas. A metros, da cova, o pé dela atola num buraco de formigueiro, exatamente no jazigo de um ex-prefeito.

- Míura (sobrinha de Neinha), meu pé tá preso...

- Péra, tia! Vou ajudar a senhora a arrancar esse pé daí. Força!

Nada de o pé da octogenária sair. Enterro de Elesbão quase concluído e a senhora com o pé engasgado no buraco de formiga do jazigo do prefeito enterrado há anos.

- Tia, vou chamar o povo da família que tá acolá.

- Carece não. Já sei. Esse homem não larga do meu pé. O caso dele é reza...

Fonte: O POVO, de 3/04/2020. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog