Por Cláudia Leitão (*)
E
2020 se foi. Todos dirão que já foi tarde, ou que esse ano nem aconteceu. Mas
se pensarmos mais e melhor, poderíamos concluir que este annus horribilis poderia nos ter ensinado muito.
O
primeiro aprendizado é que, apesar dos benefícios conquistados pelo projeto
civilizatório iluminista, a felicidade continua tão invisível para nós quanto o
alinhamento sideral de Júpiter e Saturno.
Se
olharmos para os últimos séculos, poderíamos constatar que a idade da razão nos
vendeu "gato por lebre" e que os avanços materiais e intelectuais do
ser humano não o aproximaram do bem viver. A pandemia veio coroar essa sensação
de fracasso e por o dedo em nossas feridas existenciais quando nos adverte que,
nem o domínio da natureza, nem o aperfeiçoamento das virtudes humanas, nem o
governo racional permitiram à humanidade um final feliz.
Afinal,
no que erramos? Como transformamos o sonho do jardim das delícias em uma
realidade ecológica catastrófica, ameaçadora da nossa própria existência no
planeta?
Eduardo
Gianetti observa que o erro capital da ética iluminista foi dar uma ênfase
desmesurada à transformação, em detrimento de uma atenção maior à
espiritualidade. Evidente que há condições objetivas e subjetivas para que se
possa experimentar o status da felicidade. E, quanto mais se produzem
indicadores para tentar mensurar esse état d'âme, menos conseguimos
experimentá-lo.
Em
um país marcado por uma histórica e abissal desigualdade sócio-econômica, vale,
ainda, refletir sobre os significados e a viabilidade do "ser feliz"?
Em tempos de pandemia talvez tenhamos uma consciência para responder a essa
pergunta. De repente, todas as grandes ambições pessoais e profissionais
sucumbem diante dos pequenos desejos e instintos legitimam nossa humanidade.
Queríamos
abraçar, acolher, estar próximos. Queríamos nos reunir para exorcizar juntos
esse ano trágico, mas a ratio humana
cumpre seu importante papel e estimula a prudência. Quem sabe possamos
reconhecer, em meio a tantas perdas e impossibilidades, que a felicidade se
alimenta da empatia e da solidariedade e, por isso, como poetizou Belchior, é
uma arma quente.
(*) Professora da Uece. Diretora do
Observatório de Governança Municipal do Iplanfor.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 28/12/20. Opinião, p.21.
Nenhum comentário:
Postar um comentário