Narra-se que em Recife, no início do século XIX, havia um problema com a definição do horário oficial: não havia um veículo público de comunicação e os relógios das torres das igrejas das praças não eram lá muito confiáveis. Essa imprecisão do horário implicava falha na pontualidade dos indivíduos nas suas relações sociais e até perda de compromissos, à conta de atrasos.
Os relógios eram de corda, funcionando por certo tempo, e, por
vezes, com a marcha mais lenta, atrasando a marcação cronológica. As pessoas
que tinham relógios precisavam “dar a corda” quando eles paravam; para isso,
perguntavam a terceiros qual era a hora para acertarem os seus relógios.
Para sanar o problema, as autoridades pernambucanas combinaram com
o comando militar sediado em Recife que este receberia a informação do horário
certo oriunda da única relojoaria da cidade, e, exatamente ao meio-dia, o
quartel do exército dispararia um tiro de canhão.
Assim, religiosamente, nas primeiras semanas, ao meio-dia e ao som
do canhão, os recifenses, diariamente, ajustavam seus relógios. No entanto, com
o correr dos meses, as pessoas passaram a perceber uns descompassos envolvendo
os tiros e seus apetrechos cronométricos, o que provocou uma avaliação dos procedimentos
instaurados para o estabelecimento do horário oficial.
A investigação, após criteriosa avaliação de processos, identificou
que a relojoaria deixara de informar a hora certa ao comando, e até passara a
ajustar os relógios postos à venda com o tiro do canhão, cujo disparo partia
mais da intuição cronométrica do samango-artilheiro, que, por sinal, segundo as
más línguas, sequer possuía um “roscofe” qualquer.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Ex-Presidente da Sobrames-Ceará
* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Meia-volta, volver! Médicos
contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2014. 112p. p.68-69.
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