domingo, 31 de janeiro de 2021

TIRO DE CANHÃO PARA AJUSTE DOS RELÓGIOS

          Narra-se que em Recife, no início do século XIX, havia um problema com a definição do horário oficial: não havia um veículo público de comunicação e os relógios das torres das igrejas das praças não eram lá muito confiáveis. Essa imprecisão do horário implicava falha na pontualidade dos indivíduos nas suas relações sociais e até perda de compromissos, à conta de atrasos.

Os relógios eram de corda, funcionando por certo tempo, e, por vezes, com a marcha mais lenta, atrasando a marcação cronológica. As pessoas que tinham relógios precisavam “dar a corda” quando eles paravam; para isso, perguntavam a terceiros qual era a hora para acertarem os seus relógios.

Para sanar o problema, as autoridades pernambucanas combinaram com o comando militar sediado em Recife que este receberia a informação do horário certo oriunda da única relojoaria da cidade, e, exatamente ao meio-dia, o quartel do exército dispararia um tiro de canhão.

Assim, religiosamente, nas primeiras semanas, ao meio-dia e ao som do canhão, os recifenses, diariamente, ajustavam seus relógios. No entanto, com o correr dos meses, as pessoas passaram a perceber uns descompassos envolvendo os tiros e seus apetrechos cronométricos, o que provocou uma avaliação dos procedimentos instaurados para o estabelecimento do horário oficial.

A investigação, após criteriosa avaliação de processos, identificou que a relojoaria deixara de informar a hora certa ao comando, e até passara a ajustar os relógios postos à venda com o tiro do canhão, cujo disparo partia mais da intuição cronométrica do samango-artilheiro, que, por sinal, segundo as más línguas, sequer possuía um “roscofe” qualquer.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Ex-Presidente da Sobrames-Ceará

* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Meia-volta, volver! Médicos contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2014. 112p. p.68-69.

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