terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

COVID-19: feliz ano velho

Por Roberto da Justa Pires Neto (*)

Passados 12 meses do surgimento da infecção pelo novo coronavírus, a pandemia segue seu curso sem sinais de recuo e já representa tragédia humana sem precedentes. No Brasil, talvez veremos o futuro repetir o passado. Apesar de dados pouco confiáveis do Ministério da Saúde, entraremos 2021 com oito milhões de infectados e 200 mil mortos. No Ceará, a Covid-19 já ceifou quase 10 mil cearenses em menos de 10 meses. Há também os sequelados em número desconhecido. E os duplamente vitimados pela doença e pela desigualdade social e econômica.

O Brasil é um dos poucos países que sequer saíram da primeira onda da pandemia. Voltou a número crescente de casos e óbitos. As causas são várias, mas a falta de planejamento e coordenação das ações pelo Governo Federal tem sido determinante. O que dizer de um Ministério da Saúde transformado em quartel, que dá as costas para a ciência e adota antimaláricos e vermífugos como principal "medida" de combate a um vírus?

O que dizer de lideranças que minimizam a gravidade da pandemia, não se importam com as mortes e se negam a aderir ao uso de máscaras? E quando toda essa distopia recebe apoio até de entidades como o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira?

No Ceará, o número de casos e internamentos voltou a subir, com o afrouxamento das medidas de distanciamento. O risco de mais vítimas e nova sobrecarga do sistema de saúde público é grande. Os profissionais de saúde estão esgotados e insatisfeitos com a precarização dos vínculos de trabalho. O acesso à realização de exames continua restrito. Os leitos provisórios não se transformaram em definitivos. Surtos de outras doenças (dengue, chikungunya, influenza) voltarão com as chuvas. E a desigualdade social, mãe de todos os males, continuará aumentando. As principais vítimas serão de novo os mais pobres, negros e pardos e moradores de regiões com menor IDH.

A esperança é a chegada de vacinas. Para os brasileiros, não se sabe quando, nem como. Mas tudo indica que seremos um dos últimos a iniciar a vacinação. Até lá, milhares de vítimas. "E daí?". Pobre 2021. Já nasce velho. 

(*) Médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da UFC.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 30/12/2020. Opinião. p.17.

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