Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
As manchetes e os
meios de comunicação, sejam profissionais ou sociais, são avaros em
estudar/noticiar/ marquetear a repercussão sobre a saúde mental de crianças e
jovens causada pela atual pandemia informatizada.
Como médico, enfrento desafios ao tratar pacientes
com condições que não compreendo inicialmente ou que têm um repertório limitado
de evidências do que denomino de fome ancestral, o que também me ilumina e me
faz lembrar de que a arte da medicina costuma ser a “arte de não saber”. Livros
e especialistas não têm as respostas. Essa incerteza requer humildade, uma
mente aberta, exploração e ações sem compreensão total, tantas são as áreas
envolvidas.
As manchetes e os meios de comunicação, sejam
profissionais ou sociais, são avaros em estudar/noticiar/ marquetear a
repercussão sobre a saúde mental de crianças e jovens causada pela atual
pandemia informatizada.
Reflexos sobre as crianças, sobretudo aquelas
desprovidas de segurança alimentar (neologismo para a fome crônica) desde a
fecundação, crescidas ao desabrigo, desagasalho, desproteção, abandono,
desamparo, desarrimo, orfandade, vivendo em favelas, mocambos, palhoças,
palafitas, construções em encostas, sem falar na falta de saneamento básico,
pois as manilhas de esgoto são desconhecidas do eleitor, ficam no subsolo,
nunca à vista.
Durante a atual gripe sazonal, os agravos
psicológicos sobre as crianças e adolescentes são pouco mencionados, muito
embora a repercussão sobre eles das adversidades durante suas fases de
crescimento seja a que deixa maiores feridas e marcas psicossomáticas. Por
outro lado, um acompanhamento maternal é fundamental para o desenvolvimento
saudável do futuro adulto.
Crianças com prováveis problemas de saúde mental
apresentam mais do que o dobro de probabilidade de viver em famílias que
estavam ficando para trás com suas contas, aluguel, desempregadas, em
comparação com aquelas cujas famílias conseguiam pagar suas contas.
Durante a pandemia as famílias não têm o suficiente
para comer ou dependem cada vez mais dos bancos de alimentos, em comparação com
o antes da pandemia. As escolas fecharam, destacando o efeito desigual do
bloqueio na aprendizagem, não falando na falta de “internet”, quanto mais para
aquelas que nem têm comida nas suas casas. O que sei como antigo pediatra é que
crianças com pais ou familiares em sofrimento psíquico tornam-se mais propensas
a ter problemas de saúde mental, além de sofrimentos físicos e imunológicos. Os
pesquisadores acadêmicos preveem que os efeitos cumulativos da não intervenção
resultarão no aumento das desigualdades na saúde e na educação, nas gerações
seguintes, porém poucos apresentam soluções.
Uma enorme quantidade de trabalho e envolvimento com
crianças e jovens faz-se necessária e não somente sob o aspecto socioeconômico.
Há um imperativo moral para maximizar o potencial de atendimento à saúde e ao
bem-estar da próxima geração.
Para terminar gostaria de dizer: o sorriso de
uma criança sempre me dá esperança de que tenhamos um mundo melhor no futuro.
Muito embora eu saiba ser esperança um alimento da nossa alma, ao qual sempre
se mistura o veneno do temor, do medo e das incertezas deste mundo
pós-pandemia. E os que nos tentam impor o terror ainda têm a descaramento de
denominar o futuro de Novo Normal. Seja lá o que isso queira dizer.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES) e da
Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford
(Grã-Bretanha).
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