Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Todos sabem haver um conluio entre os
estabelecimentos hospitalares nos maiores centros médicos, principalmente nas
grandes cidades, onde a elite médica do país se concentra e a aparelhagem
médica é de Primeiro Mundo. E, sim, a pressão dos grandes hospitais sobre os
mais afamados profissionais da saúde é tentadora para os médicos, em termos
materiais, sem falar em aumento de status.
Expropriação significa ação ou efeito de desapropriar, de excluir alguém
da posse de uma propriedade, através de meios judiciais. Imaginem quando se
trata da nossa própria saúde ou da de alguma pessoa querida. Nos dias de hoje,
coletividade /cultura / povo / pessoa / freguês / cidadão / consumidor passaram
a ter sua importância medida pelo lucro monetário dos hospitais e consultórios
e saúde/doença não passam de outro tipo de comércio, que prioriza o lucro como
na venda de qualquer mercadoria.
Hospitais privados do país adotam programas de benefícios que, entre
outros critérios, premiam médicos pelo número de exames, cirurgias e
internações que realizam; dessa forma, os médicos, com raras exceções,
tornaram-se simples pracistas. Quanto mais pontos, melhor. Sobretudo nos casos
de fidelização. Se geram muita receita para o hospital podem virar médicos de
tratamento cinco estrelas, ganham estacionamento grátis, lavagem do carro, além
de outras mordomias. São dezenas de indicadores que geram pontuações que
classificam médicos como “Premium, advance, evolution e spe
cial”. Isso se tornou prática “corrente” entre as
instituições e há várias instruções reguladas pela “não ética profissional”.
Repito. Expropriar é a ação ou efeito de desapropriar, de excluir alguém
da posse de uma propriedade, por meio legal, baseando-se em provas de difícil
obtenção na relação hospital/esculápio. A Constituição Federal (Artigo 196)
afirma ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantida mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recobramento de emprego mais demorado…
Todos sabem haver um conluio entre os estabelecimentos hospitalares nos
maiores centros médicos, principalmente nas grandes cidades, onde a elite médica
do país se concentra e a aparelhagem médica é de Primeiro Mundo. E, sim, a
pressão dos grandes hospitais sobre os mais afamados profissionais da saúde é
tentadora para os médicos, em termos materiais, sem falar em aumento de status.
Cuidar da saúde das pessoas não a prioridade máxima. O médico passa a ser
parte do mecanismo de geração de lucratividade, visando o lucro obtido pelo
sofrimento humano.
O médico urgentista (geralmente mais jovem) que interna mais ganha mais
pontos pelo plantão. O que segura paciente internado sem necessidade só para
gerar mais diária hospitalar é um bom exemplo.
A medicina não pode ser considerada melhor ou pior pelo número de
intervenções e é indevido juntar a participação médica ao volume de
atendimentos. A raiz do problema está no modelo de remuneração. Os hospitais
recebem dos planos de saúde pela quantidade de serviços que prestam e não pela
qualidade da assistência que prestam às pessoas que atendem. Em razão da crise
econômica, os planos de saúde perderam mais de quatro milhões de segurados em
dois anos, que passaram a ser insegurados ao cair no SUS/INSS.
Na verdade, os hospitais estão mais caros, mas não mais ricos, embora
guardem as aparências e em muitos deles as antessalas parecem mais agências
bancárias de luxo do que Hospitais.
Afora isto a questão é mais cognitiva do que de premiação, de incentivo.
Imagino que na ausência de qualquer conflito de interesse, o incentivo ao uso
exagerado continuaria prevalente seja pela solicitação abusada de exames
complementares ou de internações desnecessárias. Não esquecer que já existem
planos da saúde cuja estrutura é direcionada para os hospitais mais afamados e
especializados. No momento, a propaganda está limitada à cidade de São Paulo.
Ficar doente e ser tratado passou a ser apenas mais um “ativo
financeiro”? O que eu sei é que sem doentes não há hospitais e desconheço
hospitais sem profissionais de saúde. Advirto: atualmente a profissão médica
deixou de ser a peça central da saúde, passando a existir o conceito de
tratamento da saúde pela multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade.
Assim, apesar da importância do médico na equipe de saúde, não saberia
dizer quem é julgado como o mais importante entre os outros que praticam as
profissões do mesmo ramo, que atualmente são 19. Exemplos de outros
profissionais de saúde: Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fonoaudiologia,
Nutricionismo, Odontologia, Psicologia, Fisioterapia e agora, com o aumento da
expectativa de vida, não se pode esquecer dos gerontólogos.
A empresa médica ameaça à saúde, a colonização médica da vida aliena os
meios de tratamento e o seu monopólio profissional impede que o conhecimento
científico seja partilhado e aplicado, mormente entre os mais pobres. Maiores
disparates podem ser encontrados no livro do Philipe Roqueplo: Le Partage äu
savoir: Science, culture, vulgarisation. Paris. Seuil, 1974.
Termino este relato como uma pergunta: será que é impossível ter lucros
sem que os consumidores, neste caso os pacientes, sofram por falta de
atendimento correto à sua saúde?
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES) e da
Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford
(Grã-Bretanha).
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