sexta-feira, 19 de março de 2021

Crônica: “O lobisomem de Oiticica” ... e outro causo

O lobisomem de Oiticica

Chamava-se Chico Firmino, mais conhecido por Neném. Bebia uma cachaça amuada. Sempre que se melava, dizia pra mãe que queria ver o cão, não tinha um tico medo "de marmota". Certa noite, na casa de um amigo na Redenção, papo já cheio de alpiste, cisma de voltar pro sítio onde morava, distante duas léguas. O amigo ainda pondera:

- Durma por aqui, homem! Amanhã você vai. A essa hora, perto da Oiticica (lugarejo praquelas bandas) aparece um lobisomem. Tem medo não?

- De jeito e maneira! É com ele que eu quero me encontrar, ver se ele é macho mesmo. E dar-lhe umas chulipas, goipar na croa da cabeça...

Neném sai em busca de casa. Noite alta, lua espalhando brilho na mata. Enfim, o encontro com o dito lobisomem, esparramado na beira do caminho. Neném chega perto, chuta areia na cara do bicho, que ligerim se levanta, balança-se todo e encara o desafeto embriagado. Neném se arrepia.

Arrepiado, bate da mão a faca... Mas, quede faca que prestasse? A peixeira, como por encanto, fica enrolada à moda linha em carretel. Quanto mais tentava meter a lâmina nos vazios do lobisomem, mais a faca se desmanchava. Já se urinando, Neném se vale de São Francisco e mete o pé na carreira. Chega em casa, cai no pé da porta, sem voz - quatro da manhã. Uma semana sem voz.

Quando consegue pronunciar alguma mentira, conta pra mãe que fora enganado a respeito do lobisomem da Oiticica. Era tudo conversa mole do povo.

- Que cão que nada, mãe! O lubisômi é uma cuia com um litro e meio de aluá dentro. E o clarão da lua fazendo ela se bulir. Eita bebida sem futuro!

Parto difícil

Stepherson Paraíba Jereissati manda-nos outra das suas. Conta que sua mãe teve oito filhos, todos em casa. Quem segurou os rebentos? Dona Maria Parteira, moradora de Nazarezinho, a 12 km de São Gonçalo. "Eu nasci no dia em que deu a maior chuva do Nordeste. Era meia noite, mãe grávida de mim. Ela começa a gemer e fala pra papai: - Nego, o menino vai nascer. Corra e pegue dona Maria Rosa. E foi por causa desse parto que pai nunca gostou d'eu!"

Seu Zé Avelino pegou o cavalo e partiu pra trazer a cachimbeira. Ao atravessar o riacho que separa São Gonçalo de Nazarezinho, as águas do corrente ainda batiam nos peitos do cavalo. Pegou dona Maria e marchou de volta. Mas agora a correnteza cobria dois homens, um no tuntum do outro. A parteira confessou: "Seu Zé, estou com medo de atravessar esse riacho no lombo do cavalo. Leve ele primeiro, deixe do lado de lá, depois venha me pegar".

Feito! Cavalo na outra margem. Zé Avelino volta nadando pra pegar dona Maria Rosa Parteira. Escancha ela no espinhaço e tibungo no rio. "Foi a partir daí que papai passou a nutrir afobamento por mim. Minha irmã me contou, depois que ele morreu". O que houve, então?

- Quando papai alcançou o meio do riacho, com a parteira nas costas, apertou uma diarreia grande nela. E dona Maria Rosa cagou meu pai legal, nas partes do couro que ficavam fora d'água. Onde a merda quente bateu, couro caiu. Criou uma bolha no espinhaço dele...

- Entendi...

- Por causa duma besteira dessas pai se enfezou. Isso é lá motivo para um pai ter raiva dum filho?!?

Fonte: O POVO, de 24/07/2020. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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