Por Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza (*)
Na
década de 1850, circulava em Londres um panfleto (ancestral
notório do Whatsapp) bradando que a vacina era "inútil, cruel e
desumana".
Não
fazia um século que Edward Jenner se apropriara de um conceito do folclore
popular: a ideia de que mulheres que ordenhavam vacas e adquiriam a
"varíola bovina" (vaccínia) eram imunes à terrível bexiga.
Esta,
aliás, a doença que desfigurou Marcela, aquela que amou Brás Cubas "por
quinze meses e onze contos de réis". Voltando da literatura à vida, a
prática de inocular o vírus da vaca (vacina) para prevenir a
varíola foi um sucesso, mas teve desde cedo seus detratores.
Ao
longo do século XIX, Pasteur e seus colaboradores ampliaram o número de vacinas
disponíveis, movimento que continuou ao longo do século XX.
Tal
foi a euforia com vacinas e antibióticos que o Prêmio Nobel de Medicina McFarlane
Burnett decretou, nos 1960s, "o fim das doenças infecciosas como dano
social aos seres humanos".
Em
2021, a afirmação de Burnett nos traz um sorriso triste. No entanto, há algo a
se comemorar. A vacinologia, nome atribuído à atividade de pensar em
estratégias biológicas imunizantes, desenvolver produtos e por fim testá-los em
humanos, tem se desenvolvido em velocidade sem precedentes. E assim, um ano
após os primeiros casos de Covid-19, já dispomos de diversas vacinas em uso nos
diferentes países.
Que
vacina é a melhor? Qual a mais segura? Precisaremos de doses
periódicas de reforço? Essas são dúvidas que só análises de longo prazo poderão
responder.
O
importante, porém, é que as vacinas disponíveis reduzem a chance de transmissão
e os casos graves da Covid-19. Podem evitar o colapso dos sistemas
de saúde, salvar vidas e reduzir a velocidade da pandemia. Mas para que isso
aconteça, precisamos que grande parte da população (pelo menos 70-80%) seja
vacinada. Isso depende de vários fatores, como a disponibilidade, logística de
distribuição e, sobretudo, adesão dos brasileiros.
O
momento não é para cabos de guerra políticos e afirmações
xenofóbicas. Precisamos de muitas vacinas, chinesas, russas, inglesas,
americanas... quantas conseguirmos, desde que se mostrem seguras e eficazes.
Peço licença aqui para citar um dado pessoal. Recebi as duas doses da Coronavac,
o que me deixa feliz e otimista. Eu sentiria o mesmo se recebesse a vacina
da Aztra-Zêneca, Pfizer ou a Sputinik V.
Como
descobriu Edward Jenner no século XVIII, grandes iniciativas tem inícios
pequenos. A varíola foi erradicada na década de 1970. Quiçá em
breve erradiquemos este vírus pandêmico.
(*)
Professor da Faculdade de Medicina da Unifesp.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 25/02/21. Opinião, p.21.
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