quarta-feira, 16 de junho de 2021

A GEOGRAFIA DA FOME, O QUE MUDOU 60 ANOS DEPOIS?

Por Cláudia Leitão (*)

“Os países ricos conhecem a poluição direta, física, material, a do ambiente natural. Os países subdesenvolvidos são presas da fome, da miséria, das doenças de massa, do analfabetismo. O homem do Terceiro Mundo conhece essa forma de poluição chamada 'subdesenvolvimento'".

A reflexão, lamentavelmente tão atual, é de Josué de Castro, um pernambucano cidadão do mundo, indicado três vezes ao Prêmio Nobel, deputado, professor, embaixador e presidente da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).

Castro era um humanista. Sua visão ética e abstrata de justiça não se descolava das suas atitudes. Atravessou a vida enfrentando poderosos para transformar a realidade das populações famintas do planeta.

A publicação, em 1946, do magistral "Geografia da Fome" inaugura uma extensa produção intelectual que denuncia a conspiração silenciosa em torno da insegurança alimentar no Brasil e no mundo, só explicável, segundo ele, por interesses e preconceitos de ordem moral, política e econômica.

Afinal, as tecnologias, presentes desde a primeira metade do século XX, já seriam capazes de produzir alimentos para todo o planeta.

Para Castro, o subdesenvolvimento não passava de uma dimensão do próprio modelo de desenvolvimento capitalista.

Não será por acaso que terá seus direitos políticos caçados pelo golpe militar de 1964 (golpe sim!) e morrerá no exílio, em Paris, sempre afetado pelos problemas sociais brasileiros.

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2017-2018, divulgada pelo IBGE, a insegurança alimentar grave esteve presente entre 10,3 milhões de brasileiros, trazendo o Brasil de volta ao mapa mundial da fome. Com o advento da covid-19, em 2021 são mais 116 milhões de pessoas que sofrem algum tipo de privação alimentar.

Se Josué de Castro fosse vivo, continuaria contribuindo sobre a fome, a biodiversidade, a poluição, o desenvolvimento sustentável, a concentração de renda, entre outros temas urgentes sobre os quais o Brasil vem silenciando. Que falta faz Josué de Castro e seu compromisso com a dignidade humana! 

(*) Professora da Uece. Diretora do Observatório de Governança Municipal do Iplanfor.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 19/4/21. Opinião, p.22.

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