sexta-feira, 11 de junho de 2021

Crônica: “Gratidão chegou ali e parou!” ... e outros causos

Gratidão chegou ali e parou!

Se o amigo pensa que gratidão é "somente" a virtude das almas nobres (Esopo), e dá a quem a sente amostras grátis de felicidade, engana-se. Em Zé Felismino, gratidão é muito mais que a insondável ferramenta divina contra mazelas e macacoas, de ontem e de hoje. Zé surpreende-nos com conceito novo acerca desse que é o único tesouro dos humildes (Shakespeare): ser grato é imunizar-se contra o estalicido e a fininha viróticos, conforme veremos a seguir. Pois bem.

Era dezembro do ano passado e eu me convidei pra tomar um cafezinho com tapioca na casa dele. Enchemos o bucho. As sobras dignamente utilizáveis do repasto, Zé decidiu "mandar pro rapaz da portaria do prédio", o que ser-lhe-ia oportuna merenda/janta complementar. Fez o farnel, pediu licença aos presentes e chamou o elevador (mora no 10º andar), lá colocando o embrulho e apertando o botão do térreo. Voltou pra mesa, feliz à moda pinto em balseiro.

Abençoada ninhada

Abancado, ouviu da mulher Maria admoestação sanitária valiosa, por tê-lo visto adentrar ao elevador sem máscara:

- Ao menos agradeceu a Deus não ter ainda pegado a covid?

- E tu sabe o que é gratidão, Maria???

- O que é, Zé meu marido? - perguntou curiosa.

- Gratidão é você olhar uma ninhada de pinto pedrês de seus 25 dias de nascido, ciscando no terreiro de casa, e dizer de si para consigo: gratidão, Senhor, por ter uma ninhada de pinto pra criar com xerém e água doce de cacimbão. Gratidão, Senhor, porque se eu crio pinto no terreiro de casa é porque tenho onde morar. E se moro é com minha família. Gratidão, Senhor, porque se um dia eu faltar, uma reca de meninos não deixará os pintim 'morrêre' de fome...

- Mas, Zé, apartamento não tem terreiro, nem temos pinto... E essa ruma de meninos?!?

Mirando o alto, desgostoso por não ter sido compreendido em suas metáforas, Zé se afoba:

- Ah, meu Deus, meu Deus! Eu dou por vista como Jesus sofreu na mão dos fariseus!!!

Condenado à liseira

Sonho demais destabacado esse do Dedinha. Preferia nem ter sonhado uma arrumação dessa qualidade. Ele, com a palavra:

- Um finado tio meu da testa larga que é juiz pediu pra eu jogar seis números da mega-sena que seria pei bufo!

- Que números, meu amigo? - perguntei interessado.

- 10, 11, 20, 21, 30 e 31. Mas não bati nem o centro!

- Nunca acreditei em sonho...

- Mas dextá! Agarrei no sonho cedo noite pra tornar a sonhar com titio, perguntar se ele tava só frescando com a minha cara!

- Deu de cara com ele de novo?

- Sim. E aí ele disse a coisa mais sem futuro do mundo: "Dá exatamente esses números, mas só no dia em que tu não jogar! Porque no dia que joga, não dá! Experimente!"

- Fez a experiência?

- Fiz. Não joguei e deu os números 10, 11, 20, 21, 30 e 31! Num é de arrombar?

- Se eu fosse tu, tinha dado um migué!

- E dei! Pedi pra mulher lá em casa pra jogar. Mas não passou nem perto!!!

- Fosse eu revoltava a sonhar só pra...

- Revoltei! Mas ele sepultou todas as minhas esperanças de ser um homem rico.

- Caixão e vela preta?

- Sim. Ele disse que essa é a sorte de quem um dia pisou em rastro de corno!

Fonte: O POVO, de 22/1/2021. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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