Gratidão
chegou ali e parou!
Se
o amigo pensa que gratidão é "somente" a virtude das almas nobres
(Esopo), e dá a quem a sente amostras grátis de felicidade, engana-se. Em Zé
Felismino, gratidão é muito mais que a insondável ferramenta divina contra
mazelas e macacoas, de ontem e de hoje. Zé surpreende-nos com conceito novo
acerca desse que é o único tesouro dos humildes (Shakespeare): ser grato é
imunizar-se contra o estalicido e a fininha viróticos, conforme veremos a
seguir. Pois bem.
Era
dezembro do ano passado e eu me convidei pra tomar um cafezinho com tapioca na
casa dele. Enchemos o bucho. As sobras dignamente utilizáveis do repasto, Zé
decidiu "mandar pro rapaz da portaria do prédio", o que ser-lhe-ia
oportuna merenda/janta complementar. Fez o farnel, pediu licença aos presentes
e chamou o elevador (mora no 10º andar), lá colocando o embrulho e apertando o
botão do térreo. Voltou pra mesa, feliz à moda pinto em balseiro.
Abençoada
ninhada
Abancado,
ouviu da mulher Maria admoestação sanitária valiosa, por tê-lo visto adentrar
ao elevador sem máscara:
- Ao menos agradeceu a Deus não ter ainda pegado a covid?
- E tu sabe o que é gratidão,
Maria???
- O que é, Zé meu marido? - perguntou curiosa.
- Gratidão é você olhar uma
ninhada de pinto pedrês de seus 25 dias de nascido, ciscando no terreiro de
casa, e dizer de si para consigo: gratidão, Senhor, por ter uma ninhada de
pinto pra criar com xerém e água doce de cacimbão. Gratidão, Senhor, porque se
eu crio pinto no terreiro de casa é porque tenho onde morar. E se moro é com
minha família. Gratidão, Senhor, porque se um dia eu faltar, uma reca de
meninos não deixará os pintim 'morrêre' de fome...
- Mas, Zé, apartamento não tem terreiro, nem temos pinto... E essa ruma
de meninos?!?
Mirando
o alto, desgostoso por não ter sido compreendido em suas metáforas, Zé se
afoba:
- Ah, meu Deus, meu Deus! Eu dou
por vista como Jesus sofreu na mão dos fariseus!!!
Condenado
à liseira
Sonho
demais destabacado esse do Dedinha. Preferia nem ter sonhado uma arrumação
dessa qualidade. Ele, com a palavra:
- Um finado tio meu da testa
larga que é juiz pediu pra eu jogar seis números da mega-sena que seria pei
bufo!
- Que números, meu amigo? - perguntei
interessado.
- 10, 11, 20, 21, 30 e 31. Mas
não bati nem o centro!
- Nunca acreditei em sonho...
- Mas dextá! Agarrei no sonho
cedo noite pra tornar a sonhar com titio, perguntar se ele tava só frescando
com a minha cara!
- Deu de cara com ele de novo?
- Sim. E aí ele disse a coisa
mais sem futuro do mundo: "Dá exatamente esses números, mas só no dia em
que tu não jogar! Porque no dia que joga, não dá! Experimente!"
- Fez a experiência?
- Fiz. Não joguei e deu os
números 10, 11, 20, 21, 30 e 31! Num é de arrombar?
- Se eu fosse tu, tinha dado um migué!
- E dei! Pedi pra mulher lá em
casa pra jogar. Mas não passou nem perto!!!
- Fosse eu revoltava a sonhar só pra...
- Revoltei! Mas ele sepultou
todas as minhas esperanças de ser um homem rico.
- Caixão e vela preta?
- Sim. Ele disse que essa é a
sorte de quem um dia pisou em rastro de corno!
Fonte: O POVO, de 22/1/2021.
Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos.
p.2.
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