Meraldo
Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Basear-se em artigos publicados
em periódicos especializados. Essas publicações são obrigadas a contar com
peritos nas mais diversas áreas da Medicina. A revista médica Lancet,
um dos mais antigos periódicos médicos (lançada em 5 de outubro de 1823),
atualmente está em segundo lugar em importância (conferir em 2018 Journal
Citation Reports®, Clarivate Analytics 20190). A primeira colocada é a
americana New England Journal of Medicine entre 160 periódicos
médicos indexados. O artigo intitulado Retirada de médicos cubanos do
Brasil pode afetar a saúde (The Lancet, vol. 392, No. 10161, p2255)
[29 de setembro de 2019], levou-me a escrever este comentário sobre o trato com
a atenção básica de saúde.
Em 2013, o Brasil criou o programa Mais
Médicos para prestar assistência medicinal às populações de áreas remotas do
país. De 2013 a 2018, mais de 18.000 médicos passaram a atuar no tal programa,
sendo que desses 14.000 eram cubanos. A Administração Federal do Brasil pagava
cerca de 10.000 reais (aproximadamente US$ 2.460) por mês por cada cubano
participante do Mais Médicos. No entanto, os médicos cubanos recebiam 30% desse
valor, enquanto que 70% eram repartidos entre o governo cubano e a Associação
Pan-Americana da Saúde. Os médicos cubanos, pessoas amistosas e resignadas,
viviam no Brasil confinados, sem liberdade de ir e vir, recebendo algo como 30%
do que auferem seus colegas brasileiros.
“No ano passado, o recém-eleito presidente brasileiro Jair
Bolsonaro exigiu uma revisão do contrato entre os dois governos.
“Condicionaremos a continuação dos [médicos cubanos no] Mais Médicos à
aprovação de um teste de competência, salário integral para profissionais
cubanos, agora em grande parte destinados à ditadura, e a liberdade de trazer
suas famílias [para o Brasil]”.
Recusando-se a aceitar as novas regras impostas, Cuba retirou seus
profissionais médicos do Brasil em dezembro do ano passado”. The
Lancet, vol. 392, No. 10161, p2255).
Como professor de Medicina, pergunto:
O que poderá fazer um médico isolado em
uma pequena cidade do interior neste imenso subcontinente brasileiro, sem
equipe e com falta total de equipamentos sanitários? O médico pode ser o
elemento mais importante, porém faltando os demais profissionais de saúde, não
poderá fazer muita coisa.
Alegam os defensores desse “Mais Médicos” ser ele melhor do que médico nenhum.
Disto não tenho muita certeza. Antes gostaria de frisar que o grito do povo por
mais médicos é a expressão do desespero da população, pois as pesquisas apontam
para a Saúde como a segunda causa de insegurança, precedida pela criminalidade
(durante o ano de 2016 o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517
homicídios, segundo informações do Ministério da Saúde). Mas voltando à
assistência medica, estou certo de que se tornam necessários, além de médicos,
infraestrutura, boa remuneração com os vínculos trabalhistas legais, além do
auxílio de profissionais de saúde de outras áreas e participantes das equipes
de assistência à população.
O governo atual, respeitando as posições
ideológicas de cada um, pode amenizar o padecimento hoje interminável de
150 milhões de usuários do SUS, a um custo irrisório, cerca de R$ 4,5 bilhões
por ano. Menos de 5% do Orçamento federal destinado à saúde e muito pouco, perto
dos R$ 88 bilhões surrupiados somente da Petrobras.
A óbvia transgressão dos direitos dos
médicos que ocorria no programa Mais Médicos foi agravada por outra ilegalidade
intrigante. O governo brasileiro transferia para Cuba um adicional de R$ 1
bilhão ao ano, além dos salários dos médicos. Para comprovar o absurdo dessa
transferência, bastaria olhar os corredores de nossos principais hospitais
apinhados de pacientes em corredores, macas, chão, pior do que os hospitais de
guerra onde, apesar de improvisados, não havia esse caos.
Em razão de uma luta de muitos anos
desenvolvida pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) e outras entidades médicas
contra essa bandidagem cubana, a Administração Federal lançou recentemente o
Programa Médicos pelo Brasil, que, se não o ideal, procura atender ao grande
problema de alocar médicos às regiões mais carentes do país, sem ferir os
direitos primordiais da pessoa humana. O programa priorizará as pequenas e
médias cidades. Além disso, quase 60% dos médicos estarão nas regiões Norte e
Nordeste. No total, serão 18 mil médicos em 3 mil municípios. O processo
seletivo, eliminatório e classificatório contemplará duas funções básicas:
médicos de família para atender diretamente as comunidades e tutor médico.
Muitos pedem Medicina, mas poucos têm a
ética de um médico. Por isso, antes de mais nada, renunciemos às ideologias.
Acabemos com a polarização (extremismo) sobretudo a ideológica, que não deve
influenciar na promoção da saúde das pessoas. Não esquecer que alienação
é a diminuição da capacidade dos indivíduos de pensar ou agir por si próprios e
passar a considerar ideias pré-estabelecidas, não aceitando diálogo com todos.
Termino com a oração do médico composta por Maimônides, rabino, médico, nascido
em Córdoba (1138-1204), adotada como juramento em algumas escolas médicas
norte-americanas, no lugar do de Hipócrates (460 a.C -377 a.C.).
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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