Por José Jackson Coelho Sampaio (*)
O filósofo Theodor Adorno, expoente da Escola de
Frankfurt, tinha uma pergunta dolorosa a fazer: como o povo alemão, criador de
um projeto civilizacional e de obras de alta cultura, deixou-se envolver pelo
populismo anti-iluminista, anti-intelectual, racista, violento e cruel do
nazismo? Grande parte de sua obra tenta responder esta pergunta. Destaque-se
"A Personalidade Autoritária" que propõe, por tese, que a consciência
busca unidade em meio aos fragmentos do mundo objetivo. Mas, sua pesquisa
resultou na constatação da reprodução subjetiva da fragmentação objetiva.
Se uma pessoa era afetiva, tolerante e inclusiva em
seu trabalho e em sua família, ela também o seria na rede social externa, nas
escolhas políticas e no exercício do poder. Mas, dilacerados, o que construímos
para suturar as diferenças e contradições é, no plano externo, a frágil casca
de ovo da democracia, e, no plano interno, a luz fugaz que chamamos saúde
mental. Democracia e saúde mental precisam uma da outra para o
interpontenciamento.
Em escritos autobiográficos (ex.: "Eremita em
Paris"), Ítalo Calvino, romancista italiano, expõe tentativas de compreender
o drama de uma geração posta diante da aliança com o stalinismo para combater o
nazifascismo, sobretudo na Itália, sob a ditadura de Mussolini. Parece ser da
natureza das nacional-demagogias e dos autoritarismos estreitar as
possibilidades de opção até restar a bipolaridade, mais ainda, mutatis
mutandis, quando encontra cultura patrimonialista, corporativa e escravista
adubada pelos séculos.
Uma geração desconstrói ditadura militar, outra
geração se beneficia dos acúmulos de direitos democráticos, uma geração vinda
das sombras assume a desconstrução dos ganhos democráticos. Como diz Calvino:
"a escassa eficácia da transmissibilidade da experiência é
desanimadora", e, "não há como impedir uma geração de tapar os
olhos", pois "a história continua a ser movida por impulsos não (...)
dominados, por convicções parciais e não claras, por escolhas que não são
escolhas, por necessidades que não são necessidades."
O Brasil precisa dar o exemplo de como podemos
escapar desta armadilha histórica, a despeito de tão pouca experiência
democrática e do fascínio segregacionista que ainda informa nossa experiência
social da saúde mental.
(*) Professor titular de Saúde
Pública e ex-Reitor da Uece.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 5/11/2021. Opinião. p.18.
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