Por Alfredo
Guarischi, médico
O dia nunca termina na emergência, mas, às vezes,
durante a madrugada, consegue-se juntar parte da equipe no refeitório para
comer pão de queijo recheado de histórias pinçadas entre centenas que lhe dão
sabor especial.
Na última quinta-feira foram as histórias
corriqueiras, como a do homem com forte dor no peito que não morreu porque a
Cardiologia desobstruiu sua artéria coronária com um stent. Houve o parto
daquela minúscula mineirinha que resolveu nascer antes da hora, exatamente
durante a consulta de rotina de sua barriguda mamãe. Os pediatras salvaram um
recém-nato que se sufocou no banho e um adolescente com traumatismo craniano.
Não faltaram as fraturas de todos os tipos.
Mas faltava ouvir as histórias da turma da Cirurgia
Geral, que opera todos os dias hérnias, vesículas e tumores, mas vibra ao
vencer a morte que persegue as vítimas de trauma. Essa vibração parece ter um
componente genético.
Há um século – agosto de 1918 –, médicos da UFMG
partiram para servir na Missão Brasileira durante a Primeira Guerra Mundial.
Chefiados pelo tenente-coronel Eduardo Borges da Costa, os capitães Machado e
Lacerda e os tenentes Silva, Vasconcellos, Lodi e Carmo se destacaram pelos
procedimentos cirúrgicos que realizaram na França, numa guerra de baionetas. Na
recente véspera de feriado nacional, novamente a medicina mineira orgulhou a
nação.
Todos os presentes no refeitório já sabiam que mais
um esfaqueado havia sido operado, mas foi emocionante a descrição do
atendimento e do controle do sangramento, na profundeza do mesentério, por onde
passam todos os vasos intestinais. Houve a necessidade de ligar uma veia
importante, suturar partes do intestino e, para tentar diminuir os riscos de
complicações, realizar uma colostomia. O tratamento continuou por toda a tarde,
noite e madrugada adentro, para devolver uma vida quase perdida. Era
preocupante constatar tanto sangue e fezes – e ódio e sujeira – misturados.
Juntos podem matar, e uma facada os uniu. No que dependeu dos cirurgiões,
anestesistas, clínicos, enfermeiros e técnicos, o problema médico foi sanado.
O Dia da Independência nascia, e o paciente seguiria
seu caminho. Tinha esse direito.
Foi mais uma missão cumprida nos 164 anos da Santa
Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, em cujos ambulatórios e 523 leitos são
realizados anualmente 86 mil atendimentos, 20 mil cirurgias, 2 mil partos e
cateterismos e uma centena de transplantes em pacientes vindos de 96
municípios, quase 2 milhões de habitantes, sendo 72% desses procedimentos pagos
pelo SUS. Naquele 6 de setembro, foram 67 cirurgias, sendo 15 de urgência.
Os hospitais de emergência lutam contra o tempo e
recursos para salvar vidas. Seus cirurgiões – como soldados profissionais – são
heróis, adequando-se ao anonimato e continuando felizes em ajudar brasileiros.
Fica o apelo ao próximo Presidente da República para
que reflita sobre a importância do SUS, e a lembrança de que na primeira hora
após um traumatismo é que se elege a vida ou a morte.
Nota: Publicado no O Globo – Ciência em 11/09/2018.
Fonte: Internet (circulando por e-mail e i-phones).
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