Por Marcelo Alcântara Holanda (*)
Em 1796 Edward
Jenner, médico e cientista inglês, inoculou líquido de feridas de varíola de
gado (cowpox) nos braços de um garoto de 8 anos. A cowpox, condição comum e
branda, afetava as mãos de ordenhadoras de vacas. Parecia protegê-las da
variante humana, a varíola (smallpox) que chegou a matar 20% da
população urbana à época.
Jenner teorizou que o
procedimento iria proteger o menino de adquirir a doença. Desafiado com
exposição a material contaminado, a criança não adoeceu. Nasceu a vacina,
termo derivado de vaca. Junto, surgiram os antivacinas, semeadores de dúvidas e
opositores da nova invenção.
Inspiraram
as fakenews antivax no século XVIII. Caricaturas mostravam pessoas
inoculadas que se transformavam, imaginem, em vaca! Hoje, nosso jacaré virou o
animal símbolo do movimento no país. Voltemos a Jenner. Foi condecorado por
Napoleão por mérito científico. A vacinação protegeu o exército francês nas
campanhas militares. Ciência acima de ideologia.
Caro(a) leitor(a), se
você chegou à vida adulta sem as sequelas da poliomielite, a infertilidade da
caxumba ou as cicatrizes da varíola, agradeça às vacinas. Os antivax ganharam
reforços recentes. Em 1998, o britânico Andrew Wakefield inoculou
desconfiança na vacinação. Publicou artigo associando autismo (TEA) à vacina
MMR (contra sarampo, caxumba e rubéola) na famosa revista
Lancet. Mentira disfarçada de verdade científica. O artigo foi
posteriormente despublicado, os autores se retrataram e sua licença médica foi
caçada. Descobriu-se espúria associação dele com um fabricante de vacinas.
Mesmo assim, o
estrago foi grande. A internet propiciou globalização do movimento
antivacina a partir do caso. Na Pandemia, a ideologização da saúde, com ataques
dia sim, dia não às vacinas, foi incluída no combo de identidade
da extrema direita brasileira, tendo o presidente da república como
seu expoente. Paramos nos 70% com duas doses, menos de 20% com a de reforço.
Mas há motivos para otimismo. O povo brasileiro sabe dos benefícios e quer a
vacinação. Os superpoderes do Zé Gotinha seguem na memória coletiva.
Cabe a nós, médicos,
escutar bem os pacientes e apontar com serenidade, lucidez e empatia
a melhor recomendação vacinal. Tenho um filho com TEA que tomou as
duas doses anti-Covid-19. Esteve exposto a casos sintomáticos em casa este ano.
Não adoeceu.
(*) Médico. Professor da UFC.
Superintendente da Escola de Saúde Pública do Ceará Paulo Marcelo Martins
Rodrigues.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/01/2022. Opinião. p.19.
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