terça-feira, 22 de março de 2022

ANTIVAX E HESITANTES, VAMOS CONVERSAR?

Por Marcelo Alcântara Holanda (*)

Em 1796 Edward Jenner, médico e cientista inglês, inoculou líquido de feridas de varíola de gado (cowpox) nos braços de um garoto de 8 anos. A cowpox, condição comum e branda, afetava as mãos de ordenhadoras de vacas. Parecia protegê-las da variante humana, a varíola (smallpox) que chegou a matar 20% da população urbana à época.

Jenner teorizou que o procedimento iria proteger o menino de adquirir a doença. Desafiado com exposição a material contaminado, a criança não adoeceu. Nasceu a vacina, termo derivado de vaca. Junto, surgiram os antivacinas, semeadores de dúvidas e opositores da nova invenção.

Inspiraram as fakenews antivax no século XVIII. Caricaturas mostravam pessoas inoculadas que se transformavam, imaginem, em vaca! Hoje, nosso jacaré virou o animal símbolo do movimento no país. Voltemos a Jenner. Foi condecorado por Napoleão por mérito científico. A vacinação protegeu o exército francês nas campanhas militares. Ciência acima de ideologia.

Caro(a) leitor(a), se você chegou à vida adulta sem as sequelas da poliomielite, a infertilidade da caxumba ou as cicatrizes da varíola, agradeça às vacinas. Os antivax ganharam reforços recentes. Em 1998, o britânico Andrew Wakefield inoculou desconfiança na vacinação. Publicou artigo associando autismo (TEA) à vacina MMR (contra sarampo, caxumba e rubéola) na famosa revista Lancet. Mentira disfarçada de verdade científica. O artigo foi posteriormente despublicado, os autores se retrataram e sua licença médica foi caçada. Descobriu-se espúria associação dele com um fabricante de vacinas.

Mesmo assim, o estrago foi grande. A internet propiciou globalização do movimento antivacina a partir do caso. Na Pandemia, a ideologização da saúde, com ataques dia sim, dia não às vacinas, foi incluída no combo de identidade da extrema direita brasileira, tendo o presidente da república como seu expoente. Paramos nos 70% com duas doses, menos de 20% com a de reforço. Mas há motivos para otimismo. O povo brasileiro sabe dos benefícios e quer a vacinação. Os superpoderes do Zé Gotinha seguem na memória coletiva.

Cabe a nós, médicos, escutar bem os pacientes e apontar com serenidade, lucidez e empatia a melhor recomendação vacinal. Tenho um filho com TEA que tomou as duas doses anti-Covid-19. Esteve exposto a casos sintomáticos em casa este ano. Não adoeceu. 

(*) Médico. Professor da UFC. Superintendente da Escola de Saúde Pública do Ceará Paulo Marcelo Martins Rodrigues.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/01/2022. Opinião. p.19.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog