sexta-feira, 11 de março de 2022

Crônica: “Os bicho de urêa e o tabefe comendo de esmola” ... e outros causos

Os bicho de urêa e o tabefe comendo de esmola

Seu Zé no sítio da Itaipaba, fazendo a limpa do partido de roça mais lindo do mundo, pleno solzão das 11. O broto do "ligume" dá as caras na terra, miúdo e milagroso, dizendo "sou milho e sou feijão" da melhor qualidade. Era sábado - ali não tem dia pra plantar e pra colher. Deixando o carro na casa grande, fomos ao encontro do senhor noventão de saúde pra mais de metro. Ele surpreso com a nossa presença pergunta se viemos "almoçados". Que não, respondemos; esperamos por ele.

- Demorem uma coisinha, terminando de fazer a limpa dessa planta, vamos pra casa.

- Certo, seu Zé, falei maravilhado. - Isso que é vida!

- Né não?!? Cidade grande não vê mais o solado do meu conga.

- Tá coberto de razão, o senhor, especialmente agora, com a novidade da guerra...

- Guerra?

- Um povo não sei de onde contra outro lá dacolá... 

Seu Zé estanca o que fazia. Cabo da enxada forrado com a mão levada ao sovaco, levanta o "quépe", goipa no chão e, mirando a cabeça dum serrote ali perto, dispara verso que atribui ao saudoso avô Firmino, das Caraúbas:

"Só de pronunciar o termo

Nós fica tudo afetado

Guerra, só se for de bêjo

De abraço bem apertado

Em vez de briga, ame sem dó

Apois a guerra é prova maior

De que o hômi é um abestado" 

E continuou na limpa do terreno, longe "das bomba doida dos bicho de urêa", conforme ele próprio diz, já no "pingo do mêi dia".

É mentira, Terta?

O amigo Valente esteve há pouco na maior cidade dos Emirados Árabes Unidos, "metrópole moderna e ensolarada", e ficou encantado. Chegado de tão longe, foi contar das maravilhas de Dubai justo ao Socó, a essa altura com duas na cabeça. Falou do clima desértico parecido com o nosso, do caceteiro centro de negócios, das lojas de luxo e construções invocadas, frutos da riqueza vinda do petróleo. Socó, tipo de gente que não deixa o freguês sem resposta, não perde uma discussão, e responde enfatuado:

- Grandes coisas!

- Socó, estou falando da ruma graúda de grana que o petróleo movimenta, macho!

- Fichinha, isso. Rico é Itapebussu. Aqui tem uma qualidade de biciguete (libélula) com uma substância na ponta do rabo que basta o sujeito pingar um trisco no tanque do fenemê e ele vai a São Paulo e volta sem precisar abastecer...

Por causa dum gato

Prédio de 30 andares e dois condôminos estão em pé de guerra. O fuá começou no grupo de whatsapp dos moradores; um era a favor da permanência dum gato siamês que apareceu na garagem, vindo não se sabe de onde; o outro, radicalmente contrário, nutria enorme aversão ao felino.

- Quer criar o bicho? Pois leve ele pro seu apartamento!

- Não, ele é livre pra escolher o próprio destino. Ninguém me impede de dar água e comida a Bob (nome do gato)! E tente me impedir, pra ver o que é bom pra tosse!

- Quer ir pros pau, é? Vamos lá pra baixo resolver essa parada!

Os dois descem às pressas e milagre: na portaria, dão de cara com Bob Marley (nome completo do gato). Antes que se engalfinhassem, o felino saltou pela janela e desapareceu, miando em português:

- Imagina se tivessem as vidas que tenho!

Fonte: O POVO, de 4/03/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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