Os bicho de urêa e o tabefe comendo de esmola
Seu Zé
no sítio da Itaipaba, fazendo a limpa do partido de roça mais lindo do mundo,
pleno solzão das 11. O broto do "ligume" dá as caras na terra, miúdo
e milagroso, dizendo "sou milho e sou feijão" da melhor qualidade.
Era sábado - ali não tem dia pra plantar e pra colher. Deixando o carro na casa
grande, fomos ao encontro do senhor noventão de saúde pra mais de metro. Ele
surpreso com a nossa presença pergunta se viemos "almoçados". Que
não, respondemos; esperamos por ele.
-
Demorem uma coisinha, terminando de fazer a limpa dessa planta, vamos pra casa.
- Certo,
seu Zé, falei maravilhado. - Isso que é vida!
- Né
não?!? Cidade grande não vê mais o solado do meu conga.
- Tá
coberto de razão, o senhor, especialmente agora, com a novidade da guerra...
-
Guerra?
- Um
povo não sei de onde contra outro lá dacolá...
Seu Zé
estanca o que fazia. Cabo da enxada forrado com a mão levada ao sovaco, levanta
o "quépe", goipa no chão e, mirando a cabeça dum serrote ali perto,
dispara verso que atribui ao saudoso avô Firmino, das Caraúbas:
"Só
de pronunciar o termo
Nós
fica tudo afetado
Guerra,
só se for de bêjo
De
abraço bem apertado
Em vez
de briga, ame sem dó
Apois a
guerra é prova maior
De que
o hômi é um abestado"
E
continuou na limpa do terreno, longe "das bomba doida dos bicho de
urêa", conforme ele próprio diz, já no "pingo do mêi dia".
É mentira, Terta?
O amigo
Valente esteve há pouco na maior cidade dos Emirados Árabes Unidos,
"metrópole moderna e ensolarada", e ficou encantado. Chegado de tão
longe, foi contar das maravilhas de Dubai justo ao Socó, a essa altura com duas
na cabeça. Falou do clima desértico parecido com o nosso, do caceteiro centro
de negócios, das lojas de luxo e construções invocadas, frutos da riqueza vinda
do petróleo. Socó, tipo de gente que não deixa o freguês sem resposta, não
perde uma discussão, e responde enfatuado:
-
Grandes coisas!
- Socó,
estou falando da ruma graúda de grana que o petróleo movimenta, macho!
-
Fichinha, isso. Rico é Itapebussu. Aqui tem uma qualidade de biciguete
(libélula) com uma substância na ponta do rabo que basta o sujeito pingar um
trisco no tanque do fenemê e ele vai a São Paulo e volta sem precisar
abastecer...
Por causa dum gato
Prédio
de 30 andares e dois condôminos estão em pé de guerra. O fuá começou no grupo
de whatsapp dos moradores; um era a favor da permanência dum gato siamês que
apareceu na garagem, vindo não se sabe de onde; o outro, radicalmente
contrário, nutria enorme aversão ao felino.
- Quer
criar o bicho? Pois leve ele pro seu apartamento!
- Não,
ele é livre pra escolher o próprio destino. Ninguém me impede de dar água e
comida a Bob (nome do gato)! E tente me impedir, pra ver o que é bom pra tosse!
- Quer
ir pros pau, é? Vamos lá pra baixo resolver essa parada!
Os dois
descem às pressas e milagre: na portaria, dão de cara com Bob Marley (nome
completo do gato). Antes que se engalfinhassem, o felino saltou pela janela e
desapareceu, miando em português:
-
Imagina se tivessem as vidas que tenho!
Fonte: O POVO, de 4/03/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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