quinta-feira, 16 de junho de 2022

HABEAS CORPUS DA IDADE

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

Alcancei a idade de 87 anos. De que valeria alcançar esta idade, se toda sabedoria do Mundo fosse uma tolice? Atingi o estágio da vida em que posso me dar ao luxo de dizer o que penso, sem temer pelo que possa acontecer com a minha biografia.

Começo dizendo: repudio a condição do velho que somente se faz estimável pela sua longevidade. Poucas pessoas sabem ser velhas. Não devemos levar as nossas falhas juvenis para a velhice, a velhice traz com ela seus próprios defeitos, Os velhos têm pouca memória, mas em troca adquiriram bom senso e prudências aprendidas ao longo da vida.

Aos jovens dou um conselho (apesar de dizerem por aí que conselho de velho é como o sol de inverno, aclara sem esquentar):

“Torna-te velho cedo, se quiser ser velho por muito tempo (Cícero [106 – 49 a.C.] Da velhice, X.)”.

Irrito-me quando um jovem, pensando ser “politicamente correto”, começa a me tratar com muitos cuidados. Por favor, deixe-me fazer o que entendo: cometer imprudências, desobedecer, brincar, falar sem censura e outras coisas mais. Desde que não me torne em um velho ridículo; difícil, pois já entendi também o meu lugar social. Além disso, velho que não tem juízo nunca o teve.

Permitam-me falar desta vez, mesmo sem autorização da maioria do meu grupo etário, aos que se julgam jovens e tudo saber: liberte-nos de vossas fatigantes e asfixiantes bondades. Esses seus cuidados são temores que machucam. Vocês precisam entender que não somos velhos enquanto buscamos viver como todo mundo. Nós podemos pegar coisas pesadas, sim, podemos raciocinar corretamente, sim. Não fossem as lembranças da mocidade, os velhos não se ressentiriam da velhice.

O nosso mal-estar reside em não poder fazer mais o que fazíamos outrora. E vocês se esquecem de que idosos sadios são criaturas tão perfeitas quanto os moços saudáveis.  E lembrem-se todos: os velhos morrem quando não são mais amados.

Procure-nos. Desejamos conversar com todos vocês de todas as idades. Pois, já fomos jovens e também pensávamos como vocês — de tudo saber.

Vocês jovens podem ser muito espertos e rápidos nesses tempos da computação, mas não têm nossa experiência. Temos muito para lhes ensinar. Se a velhice é uma segunda infância é prudente saber que A criança é o pai do Homem.

 Estou às ordens. Basta procurar-me. Velho sabido espera a visita dos jovens que nunca vão procurar-me, primeiro. Não obstante, confesso.

Mas que saudades das horas loucas da mocidade! Mesmo sem a proteção de habeas “corpus”.

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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