Por Sofia
Lerche Vieira (*)
Em
tempos de pós-pandemia, é visível o desejo coletivo de virar a página. Há muito
mais gente se exercitando ao ar livre e nas academias. Restaurantes voltam a
estar repletos. Viagens retornam aos sonhos de uns e à realidade de outros. Se
do lado das camadas mais abastadas da população, a poupança forçada resultante
do período de reclusão levou a novos padrões de consumo; na perspectiva do
imenso contingente dos que perderam suas fontes de renda, o mundo ficou mais
sombrio. Sem contar o luto da perda de milhares de vidas. A vida mudou. E, o
alerta de Milton Nascimento em "Nada será como antes" é mais que um
verso na memória.
Um
dos elementos dos novos padrões de comportamento é a mudança de lugar e de uso
das tecnologias na sociedade e na economia. Uns, se tornaram mais conectados e
a comunicação online foi naturalizada em seu cotidiano. Outros, foram
silenciados pela exclusão digital. Para estes, é complexa a sobrevivência
nesses tempos em que a cultura impressa vai sendo vertiginosamente engolida
pelo imperativo da cultura digital. Para grande número de pessoas, a vida em
rede é fonte de dificuldade e sofrimento, seja pela própria falta de acesso ou
pela exigência de lidar com tecnologias sobre as quais não têm domínio. O não
saber invisibiliza as pessoas. Nesse contexto, o capital vai encontrando novos
nichos e formas de expressão. A substituição da mão de obra humana pelas
máquinas é uma dessas manifestações. Outra, está na economia de recursos quando
os próprios usuários passam a realizar serviços que antes não eram seus.
Nesse
contexto de mudanças, a experiência da fruição de determinadas coisas, parece
ir aos poucos se esvaindo. Veja-se, por exemplo, a ausência de cardápios
impressos em restaurantes. O QR Code em placas sobre as mesas parece guardar um
sentido oculto de exclusão do acesso dos que não dominam os códigos digitais. Com
razão, dizem os mais velhos: "só de pensar que, em lugar do velho e bom
cardápio de papel, tenho que acessar esse tal de QR Code, perco até a graça de
ir a um restaurante!". É verdade. Nada será como antes. Nem hoje, nem
amanhã.
(*)
Professora do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Uece e consultora da FGV-RJ.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 20/06/22. Opinião, p.16.
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