quinta-feira, 18 de agosto de 2022

NADA SERÁ COMO ANTES

Por Sofia Lerche Vieira (*)

Em tempos de pós-pandemia, é visível o desejo coletivo de virar a página. Há muito mais gente se exercitando ao ar livre e nas academias. Restaurantes voltam a estar repletos. Viagens retornam aos sonhos de uns e à realidade de outros. Se do lado das camadas mais abastadas da população, a poupança forçada resultante do período de reclusão levou a novos padrões de consumo; na perspectiva do imenso contingente dos que perderam suas fontes de renda, o mundo ficou mais sombrio. Sem contar o luto da perda de milhares de vidas. A vida mudou. E, o alerta de Milton Nascimento em "Nada será como antes" é mais que um verso na memória.

Um dos elementos dos novos padrões de comportamento é a mudança de lugar e de uso das tecnologias na sociedade e na economia. Uns, se tornaram mais conectados e a comunicação online foi naturalizada em seu cotidiano. Outros, foram silenciados pela exclusão digital. Para estes, é complexa a sobrevivência nesses tempos em que a cultura impressa vai sendo vertiginosamente engolida pelo imperativo da cultura digital. Para grande número de pessoas, a vida em rede é fonte de dificuldade e sofrimento, seja pela própria falta de acesso ou pela exigência de lidar com tecnologias sobre as quais não têm domínio. O não saber invisibiliza as pessoas. Nesse contexto, o capital vai encontrando novos nichos e formas de expressão. A substituição da mão de obra humana pelas máquinas é uma dessas manifestações. Outra, está na economia de recursos quando os próprios usuários passam a realizar serviços que antes não eram seus.

Nesse contexto de mudanças, a experiência da fruição de determinadas coisas, parece ir aos poucos se esvaindo. Veja-se, por exemplo, a ausência de cardápios impressos em restaurantes. O QR Code em placas sobre as mesas parece guardar um sentido oculto de exclusão do acesso dos que não dominam os códigos digitais. Com razão, dizem os mais velhos: "só de pensar que, em lugar do velho e bom cardápio de papel, tenho que acessar esse tal de QR Code, perco até a graça de ir a um restaurante!". É verdade. Nada será como antes. Nem hoje, nem amanhã.

(*) Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece e consultora da FGV-RJ.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 20/06/22. Opinião, p.16.

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