sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Crônica: “Quando a liseira entra pela porta, o amor sai pela janela” ... e outros causos

Quando a liseira entra pela porta, o amor sai pela janela

A cidade inteira - especialmente o macharal passado dos 40 - conhecia Dr. Juvenal Lambe-lambe como exímio profissional médico. Tratara já meio mundo, fosse avaliando a possibilidade de um tumor maligno na próstata, na condição de urologista, fosse na condição de coloproctologista, diagnosticando problemas do reto e do ânus dos pacientes. Curou muitos. Também clinico geral, era médico de mil artes. Uma unanimidade, ou quase. 

A brabíssima da Ceiça Maria tirou ele a terreiro. Por pouco não embaçou a imagem do esculápio valoroso, e logo na sala de espera do seu consultório. Fora para tirar satisfações com Dr. "Juju" acerca de um diagnóstico que dera do marido Agamenon lá dela, por telefone, relacionado à súbita vermelhidão dos olhos do sujeito, causada por infecção ou reação alérgica, oxalá. Prescreveu medicação. E os "ói" de Agamenon, além do vermelho, agora estavam cheios de sapiranga.

Por isso a atoleimada Ceiça no consultório do doutor, fumando numa quenga. Arrastando o marido pelo braço, teve a decência de conversar com a atendente, antes de chutar a porta do qualificado médico, que já atendia. Falava em alto e bom som, para que todos, de vera, ouvissem o desabafo venenoso.

- Dona, qual é mesmo a especialidade desse Dr. Juvenal, hein?

- Urologista, coloproctologista, clínico geral... Por que?

- Por isso! - responde, apontando o dedo para os olhos do marido, em carne viva e remelando horrores.

- Sim, senhora! E daí?

- E daí que eu sempre soube que ele entendia era de 'carretel"! De conjuntivite, não!!!

Tu é doido?!?

O fato é que Agamenon sofreu por quase dois meses da mazela dos olhos em petição de miséria. Olhos que doíam, de noite e de dia; na madrugada, a gemedeira medonha, a febre. E a mulher ali, ao lado. Dia seguinte ao plantão estafante, uma Ceiça morta nas calças, despombalizada, protagonizando lances inimagináveis. 

De tão casada, certo dia, foi ao banheiro fazer a higiene bucal e, na escova de dentes, colocou volumosa tora de Hipoglós. No lugar do colírio, quantas vezes 'chiringou' no canto do olho quaisquer 15 gotas de Tylenol. Nas axilas, não uma vez somente, ela, caindo pelas tabelas de sono, encheu o sovaco de Baygon mata-baratas, pensando fosse Rexona tripla ação. De sorte que emagrecera...

A filha, penalizada, tratou de cuidar da mãezinha naquele início de noite.

- Quer uma sopinha, meu amor?

- Não!!! Quero ficar viúva!!!

Paixão recolhida

Idioma riquíssimo o nosso! Para a 2ª edição da Grande Enciclopédia da Fala Cearense, amigos mandam colaborações. Entre as fuleirosofias, "Cachorro que tem dois donos passa fome" e "Quando a liseira entra pela porta, o amor sai pela janela". Expressões: "Beliscar a bunda morte" (quase morrer); "Fí do meu esquema" (filho da minha amante); "Intéra homem" (banquinho ou cepo sobre o qual o baixinho se põe de pé). E ainda estas:

- Todo nos pano! - Todo elegante, todo bonitão!

- Ainda vai enterrar nós tudim! - Sobre o moribundo que insiste em viver, e os que estavam aparentemente bem de saúde, todos partindo antes);

- Só quer ser misse! - despeitada referindo-se à mulher bonita e elegante que adentrou ao recinto.

Fonte: O POVO, de 9/09/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2. 

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