Quando a liseira entra pela
porta, o amor sai pela janela
A
cidade inteira - especialmente o macharal passado dos 40 - conhecia Dr. Juvenal
Lambe-lambe como exímio profissional médico. Tratara já meio mundo, fosse
avaliando a possibilidade de um tumor maligno na próstata, na condição de
urologista, fosse na condição de coloproctologista, diagnosticando problemas do
reto e do ânus dos pacientes. Curou muitos. Também clinico geral, era médico de
mil artes. Uma unanimidade, ou quase.
A
brabíssima da Ceiça Maria tirou ele a terreiro. Por pouco não embaçou a imagem
do esculápio valoroso, e logo na sala de espera do seu consultório. Fora para
tirar satisfações com Dr. "Juju" acerca de um diagnóstico que dera do
marido Agamenon lá dela, por telefone, relacionado à súbita vermelhidão dos
olhos do sujeito, causada por infecção ou reação alérgica, oxalá. Prescreveu
medicação. E os "ói" de Agamenon, além do vermelho, agora estavam
cheios de sapiranga.
Por
isso a atoleimada Ceiça no consultório do doutor, fumando numa quenga.
Arrastando o marido pelo braço, teve a decência de conversar com a atendente,
antes de chutar a porta do qualificado médico, que já atendia. Falava em alto e
bom som, para que todos, de vera, ouvissem o desabafo venenoso.
-
Dona, qual é mesmo a especialidade desse Dr. Juvenal, hein?
-
Urologista, coloproctologista, clínico geral... Por que?
-
Por isso! - responde, apontando o dedo para os olhos do marido, em carne viva e
remelando horrores.
-
Sim, senhora! E daí?
-
E daí que eu sempre soube que ele entendia era de 'carretel"! De
conjuntivite, não!!!
Tu é doido?!?
O
fato é que Agamenon sofreu por quase dois meses da mazela dos olhos em petição
de miséria. Olhos que doíam, de noite e de dia; na madrugada, a gemedeira
medonha, a febre. E a mulher ali, ao lado. Dia seguinte ao plantão estafante,
uma Ceiça morta nas calças, despombalizada, protagonizando lances
inimagináveis.
De
tão casada, certo dia, foi ao banheiro fazer a higiene bucal e, na escova de
dentes, colocou volumosa tora de Hipoglós. No lugar do colírio, quantas vezes
'chiringou' no canto do olho quaisquer 15 gotas de Tylenol. Nas axilas, não uma
vez somente, ela, caindo pelas tabelas de sono, encheu o sovaco de Baygon
mata-baratas, pensando fosse Rexona tripla ação. De sorte que emagrecera...
A
filha, penalizada, tratou de cuidar da mãezinha naquele início de noite.
-
Quer uma sopinha, meu amor?
-
Não!!! Quero ficar viúva!!!
Paixão recolhida
Idioma
riquíssimo o nosso! Para a 2ª edição da Grande Enciclopédia da Fala Cearense,
amigos mandam colaborações. Entre as fuleirosofias, "Cachorro que tem dois
donos passa fome" e "Quando a liseira entra pela porta, o amor sai
pela janela". Expressões: "Beliscar a bunda morte" (quase
morrer); "Fí do meu esquema" (filho da minha amante); "Intéra
homem" (banquinho ou cepo sobre o qual o baixinho se põe de pé). E ainda
estas:
-
Todo nos pano! - Todo elegante, todo bonitão!
-
Ainda vai enterrar nós tudim! - Sobre o moribundo que insiste em viver, e os
que estavam aparentemente bem de saúde, todos partindo antes);
-
Só quer ser misse! - despeitada referindo-se à mulher bonita e elegante que
adentrou ao recinto.
Fonte: O POVO, de 9/09/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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