Por Vladimir Spinelli Chagas (*)
Ao chegar aos meus primeiros 3/4 de século -
também conhecidos como 75 anos - um ambiente se destaca nas lembranças: a Fazenda
Espírito Santo.
Na Rua Santa Cruz, onde nasci em Itabuna-BA,
tive liberdade para jogar minhas peladas, andar de bicicleta, me enxerir nos
trabalhos da fábrica de guaraná, na oficina do senhor Domingos, na sapataria,
desde que me dedicasse aos estudos. Cumpri toda a vida.
Nas férias, íamos para a Fazenda Espírito
Santo, dos tios Banga (Teodolindo) e Marieta, para desfrutar de uma natureza
esplêndida. Uma fazenda de cacau incrustada na Mata Atlântica, depois
desapropriada de forma até hoje dolorosa.
A seis quilômetros de Itabuna, o caminho
normalmente se dava a pé, com entrada pelo Ponto dos Leões, um portal em
que havia a figura desse animal.
Na roça, era correr descalços, subir em
árvores, tomar banho de rio, experimentar frutas no pé: jaca, pinha, cajá,
laranja, marmelo, araçá, abio, ingá, jatobá, laranja da Índia, goiaba, cana,
jatobá e tantas outras.
Ficávamos atentos à faina da colheita até a ensacagem
do cacau. Os empregados iam para a plantação com seus farnéis de feijão,
farinha e carne seca para moquear. O cacau, colhido e depositado em montes
(bandeiras) era quebrado, os caroços colocados em uma caixa de madeira e
transportados em caçuás, em lombo de burros e mulas, dentre elas Diamantina e
Cuíca, as mais agitadas.
Na sede, era colocado em um cocho para
fermentar e então secado em barcaças ao sol, espalhados constantemente
com rodos de madeira. Era outra diversão participar até ver a sua
colocação em sacos próprios, a pesagem, a costura e o transporte para a cidade,
novamente nos lombos dos animais.
Com os primos-irmãos, convivemos nesse paraíso,
criando uma memória afetiva que nos acompanha até hoje, com cavalos,
burros e mulas, bois e pássaros canoros e multicoloridos ou pretos como os
japus, com seus grandes ninhos pendurados e os anus, com seus vigias
barulhentos.
Findo este espaço, relembro as vermifugações,
à base do óleo de rícino, nariz tapado e uma metade de laranja. E a fatiazinha
de queijo reino, comida em pequenos pedaços para durar.
(*) Professor
aposentado da Uece, membro da Academia Cearense de Administração (Acad) e
conselheiro do CRA-CE.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 12/09/22. Opinião, p.18.
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