segunda-feira, 17 de outubro de 2022

MONKEYPOX, AS CONSEQUÊNCIAS DO DESCASO

Por Lígía Kerr (*)

Monkeypox (Varíola dos macacos) é uma doença causada por um vírus similar ao da varíola humana que resulta em uma doença também semelhante à varíola humana, em geral, menos grave.

Em fevereiro de 2022, meses antes dos primeiros casos da presente pandemia e da OMS declarar a doença como uma emergência internacional, uma importante revista científica alertava para a dramática mudança observada na epidemiologia da doença na África e sua ameaça em potencial. Os casos subiram de 47, entre 1970-1980, para 419 confirmados e quase 30 mil suspeitos, entre 2009 e 2019. Na década de 70, os casos predominavam em crianças de 4 anos, em 1980 subiram para a faixa de 10 anos e, entre 2000-2010, para adultos jovens em seus 21 anos.

A resposta a esta pergunta já sabemos, os casos explodiram. Entre o registro do primeiro caso em maio, no Reino Unido, e agosto, o mundo se vê perto da marca dos 45 mil casos confirmados, e o Brasil é o terceiro país do mundo em número de casos.

Embora já se soubesse que a vacina da varíola humana apresentava cerca de 85% de proteção cruzada com a Monkeypox, e a chance de um vacinado ser 5,2 vezes menor do que um não vacinado de adquirir a doença, nada foi feito para desenvolver novas vacinas ou tratamento. Porque a indústria farmacêutica iria investir, se a doença atingia apenas países pobres da África, onde crianças e adultos jovens adoeciam, mesmo que a taxa de letalidade pudesse chegar a 10% em países do oeste do continente?

Fora da África, além das formas já conhecidas de transmissão, a Monkeypox se mostrou sexualmente transmissível, mesmo que ainda não seja oficialmente classificada como uma IST. Os casos recentes estão ocorrendo predominantemente entre homens que fazem sexo com homens (HSH). O aumento do número de parceiros sexuais por aplicativos, o declínio no uso de preservativos entre HSH, em geral, e entre os que fazem profilaxia do HIV, contribuíram para o aumento de diversas IST's e, provavelmente, da Monkeypox.

A Monkeypox veio para explorar as vulnerabilidades da nossa vigilância, pois requer testagem, isolamento e rastreamento de contatos. Vale ressaltar que, embora 90% ou mais dos casos estejam entre HSH, ninguém está imune de adquirir a infecção. Como a aids, a Monkeypox não deve ficar concentrada nesta população, como mostram os registros de casos em mulheres e em crianças no Brasil e no exterior.

Desta forma, nunca é demais recordar as lições deixadas pela aids, reconhecendo que esta infeção pode ocorrer em qualquer pessoa e que o estigma e preconceito trazem enormes prejuízos sociais e emocionais para suas vítimas e as afastam de buscar os serviços de saúde para detecção, diagnóstico e tratamento precoces. E mais, vacinar esta população é primordial, e não pode esperar.

(*) Médica epidemiologista e professora da UFC. Vice-presidente da Abrasco.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 12/09/2022. Opinião. p.19.

Nenhum comentário:

Postar um comentário