Há três décadas, quando a
telefonia móvel dava os seus primeiros passos em Fortaleza, e portar um
telefone celular era uma raridade, e não apenas uma novidade, chegou ao
Ambulatório Geral de Pediatria do Hospital Infantil Albert Sabin, um rapaz que
trazia uma criança pequena para ser atendida por um médico.
De posse da ficha de
atendimento, a pediatra perguntou:
– O que é que esse menino tem?
– Como assim, doutora? Ele não parece um pouco doentinho? – Respondeu com outra indagação o acompanhante
– Eu quero saber qual é a doença dele –
explicou a médica.
– Mas isso não é a senhora que tem que
descobrir, doutora? – Contestou, com petulância, o rapaz.
– Eu quero que você me diga, qual é o
problema dele. Se é diarreia, fastio, cansaço ou outra causa.
– Ah, eu não sei não, doutora.
– Mas, me diga, por favor, por que você o
trouxe aqui, homem? Que tipo de pai é você, que não conhece o problema do
próprio filho?
– Calma aí, doutorinha! Eu não sou o pai,
não. Fiz apenas um favor pra mãe dele, de trazer ele pra consulta.
– Por que razão a mãe do menino não veio? – Cobrou
a especialista.
– Ela disse que tava muito ocupada fazendo o
almoço e já que eu tava vindo pras essas bandas, ela pediu pra eu aproveitar e
trazer ele pra cá.
– Mas, me fale, como eu poderia atendê-lo,
se não sei qual é o problema ou a queixa dele? – Insistiu a pediatra.
– Ah, isso eu resolvo agorinha mesmo! – Retrucou
o acompanhante.
– Como? – Perguntou a incrédula médica,
acrescentando:
– Se você não sabe nada dessa criança e não
vai dar tempo para colher as informações e voltar até aqui.
– É simples, doutora! Eu já tenho um
telefone celular e aí eu ligo pro telefone da bodega, que fica pertinho da casa
dele, mando chamar a mãe e a senhora faz a consulta pelo meu telefone,
conversando direto com ela. Posso ligar, agora?
– Não, deixe que eu examine antes o menino –
falou a médica, pressentindo que a criança não exteriorizava qualquer problema
de saúde, que demandasse intervenção médica.
Após o exame pediátrico, inteiramente
normal, a médica, pacientemente, liberou a criança, com uma recomendação:
– Diga a mãe que, da próxima vez, caso o
filho dela esteja doente, que ela venha acompanhando-o, e não mande um portador
desinformado, por favor.
Atualmente, passados mais de trinta anos, há
mudanças de comportamento nas famílias de baixa renda; muitas mulheres
conseguem trabalhar como diaristas, enquanto os seus companheiros ficam
desempregados, ou dependendo de biscates, com rendas eventuais; daí serem eles,
cada vez mais, os que levam seus filhos para atendimento nos serviços de
pediatria, surpreendendo o quanto eles conhecem dos problemas de seus rebentos.
Ocasionalmente, quando não trazem os fatos
rabiscados, um ou outro apela para o celular, a fim de contatar a mãe, com
vistas a complementar os esclarecimentos necessários à consulta pediátrica.
Marcelo Gurgel Carlos
da Silva
Da Sobrames/CE e da Academia Cearense de Médicos Escritores
Fonte:
SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos. 2.ed.
Fortaleza: Edição do Autor, 2022. 144p. p.28-29.
*
Republicado In: AMC. Causos médicos Informativo
AMC (Associação Médica Cearense). Janeiro de 2022 - Edição n.12, p.12 (em
pdf).
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