sábado, 12 de novembro de 2022

Causo Médico: CONSULTA PEDIÁTRICA POR TELEFONE

Há três décadas, quando a telefonia móvel dava os seus primeiros passos em Fortaleza, e portar um telefone celular era uma raridade, e não apenas uma novidade, chegou ao Ambulatório Geral de Pediatria do Hospital Infantil Albert Sabin, um rapaz que trazia uma criança pequena para ser atendida por um médico.

De posse da ficha de atendimento, a pediatra perguntou:

– O que é que esse menino tem?

– Como assim, doutora? Ele não parece um pouco doentinho? – Respondeu com outra indagação o acompanhante

– Eu quero saber qual é a doença dele – explicou a médica.

– Mas isso não é a senhora que tem que descobrir, doutora? – Contestou, com petulância, o rapaz.

– Eu quero que você me diga, qual é o problema dele. Se é diarreia, fastio, cansaço ou outra causa.

– Ah, eu não sei não, doutora.

– Mas, me diga, por favor, por que você o trouxe aqui, homem? Que tipo de pai é você, que não conhece o problema do próprio filho?

– Calma aí, doutorinha! Eu não sou o pai, não. Fiz apenas um favor pra mãe dele, de trazer ele pra consulta.

– Por que razão a mãe do menino não veio? – Cobrou a especialista.

– Ela disse que tava muito ocupada fazendo o almoço e já que eu tava vindo pras essas bandas, ela pediu pra eu aproveitar e trazer ele pra cá.

– Mas, me fale, como eu poderia atendê-lo, se não sei qual é o problema ou a queixa dele? – Insistiu a pediatra.

– Ah, isso eu resolvo agorinha mesmo! – Retrucou o acompanhante.

– Como? – Perguntou a incrédula médica, acrescentando:

– Se você não sabe nada dessa criança e não vai dar tempo para colher as informações e voltar até aqui.

– É simples, doutora! Eu já tenho um telefone celular e aí eu ligo pro telefone da bodega, que fica pertinho da casa dele, mando chamar a mãe e a senhora faz a consulta pelo meu telefone, conversando direto com ela. Posso ligar, agora?

– Não, deixe que eu examine antes o menino – falou a médica, pressentindo que a criança não exteriorizava qualquer problema de saúde, que demandasse intervenção médica.

Após o exame pediátrico, inteiramente normal, a médica, pacientemente, liberou a criança, com uma recomendação:

– Diga a mãe que, da próxima vez, caso o filho dela esteja doente, que ela venha acompanhando-o, e não mande um portador desinformado, por favor.

Atualmente, passados mais de trinta anos, há mudanças de comportamento nas famílias de baixa renda; muitas mulheres conseguem trabalhar como diaristas, enquanto os seus companheiros ficam desempregados, ou dependendo de biscates, com rendas eventuais; daí serem eles, cada vez mais, os que levam seus filhos para atendimento nos serviços de pediatria, surpreendendo o quanto eles conhecem dos problemas de seus rebentos.

Ocasionalmente, quando não trazem os fatos rabiscados, um ou outro apela para o celular, a fim de contatar a mãe, com vistas a complementar os esclarecimentos necessários à consulta pediátrica.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Da Sobrames/CE e da Academia Cearense de Médicos Escritores

Fonte: SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos. 2.ed. Fortaleza: Edição do Autor, 2022. 144p. p.28-29.

* Republicado In: AMC. Causos médicos Informativo AMC (Associação Médica Cearense). Janeiro de 2022 - Edição n.12, p.12 (em pdf).

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