Por Lara Montezuma (*)
Nova
exposição do MAUC reflete sobre a história e os símbolos por trás da Inquisição
portuguesa. Material deriva de biblioteca especializada com mais de 2.000 itens
Implantado
em 1563 e vigente por quase três séculos, o Tribunal da
Inquisição foi inicialmente estabelecido em Portugal por Dom João III
durante o papado de Paulo III. O movimento envolvia como base a punição dos
cristãos - novos, termo então utilizado para fazer referência a judeus que
foram batizados anteriormente à força, mas que continuavam com suas próprias
práticas religiosas em casa. A partir desta organização, também passou a
perseguir e julgar demais doutrinas consideradas heréticas, como o
protestantismo e o monoteísmo, assim como práticas tidas como pecaminosas, a
exemplo da feitiçaria, astrologia e bigamia.
A temática
é centro da exposição “Ler a Inquisição em Tempos de Intolerância”, disponível
para visitação até o dia 12 de novembro no Museu de Arte da Universidade
Federal do Ceará (MAUC). Com curadoria feita pelo jornalista e historiador
Nilton Melo, investigador correspondente do Centro de Humanidades (CHAM)
vinculado à Universidade de Lisboa e à Universidade de Açores, a mostra destaca
os reflexos da instituição no Brasil Colônia e, sobretudo, no Ceará. “Me
pareceu conveniente, principalmente para o momento, fazer uma reflexão sobre
essa questão. Foram questões de grupos sociais dominantes que se aliaram à
Igreja e ao Poder Civil, no sentido de calar uma minoria que tinha uma forma de
pensar e um modo de viver diferenciado da maioria”, explica Nilton.
Para
impedir a introdução de novos elementos de fé, a Inquisição utilizou métodos de
censura e tortura - entre interrogatórios, massacres e fogueiras - em
habitantes da Penísula-Ibérica. “Uma fortaleza de determinados grupos resolve
interferir na vida privada de outro, obrigando a ter uma religião, confiscando
bens e pondo uma verdade única, ou seja, sem respeito”, complementa. O
pesquisador aponta que, em tempos de intolerância religiosa, discutir este fato
histórico é de extrema importância. “O que a gente pode dizer é que o que
aconteceu lá atrás pode ser analisado e interpretado como um processo que,
muitas vezes, pode se repetir em outro momento com outro formato”.
Nilton
cita, por exemplo, os crescentes casos globais de movimentos antissemitistas e
o processo eleitoral brasileiro “movido pelo debate religioso”, com
circunstâncias que podem ser “terrivelmente bizarras”. De acordo com o
jornalista, quando a religião se funde com a política, há consequências “graves
e inimagináveis”. Resgatar o contexto da Inquisição é, portanto, repassar
alertas. “A exposição tenta ser um instrumento de informação, uma tentativa de
ampliar o conhecimento. A Inquisição deixa essa lição de que o Estado não tem
que se meter na vida do cidadão. As pessoas querem liberdade, ter seus
valores, crenças, tradições e heranças. É necessário que isso seja respeitado
da forma mais republicana possível".
Com caráter
pedagógico, o projeto dispõe de itens do acervo da biblioteca especializada de
Nilton, composta por dois mil títulos que variam entre escritos sobre
Inquisição, judeus, cristão-novos e intolerância. Os materiais possibilitam a
troca de conhecimento com grandes referências do assunto em países como
Portugal e Brasil, contemplando dissertações, teses, romances, estudos,
revistas ilustradas e documentos, por exemplo. "Eu tento mostrar por
blocos que nós tínhamos os judeus em Portugal, eles viviam rente àquela nação.
A Inquisição serviu porque é uma aliança entre o rei e a Igreja e, a partir
daí, vem a perseguição aos hereges, aos cristãos-novos", situa o
historiador.
O espaço,
portanto, traz alguns elementos importantes. Há a representação de fogueira
perto de livros relacionados à temática, para mostrar a perspectiva de que
"para vencer a ignorância é preciso ter o conhecimento, a leitura".
Também há uma adesivagem do Terreiro do Paço, ponto turístico de Lisboa, local
onde eram realizadas as queimadas vivas. "Ao mesmo tempo mostramos os
sambenitos criados pelo estilista Lindembergue Fernandes, roupas que os
condenados usavam", adiciona Nilton. A mostra, com projeto expográfio de
José Edelson Diniz, também apresenta um mapa-múndi com mais de 2 metros
de altura para registrar a historiografia da Inquisição, cuja atuação engloba
países como o Brasil e o Peru. “Estavam com sede em Portugal, mas tinham braços
longos. Avaliando-se bem, era uma instituição com peso muito forte em
cinco continentes”, afirma o historiador.
Entre os
artistas cearenses com destaque na mostra, há Francisco de Almeida, que
desenvolveu cinco xilogravuras com intervenções. As produções retratam o
imaginário sobre os autos-de-fé, momentos das aplicações de penas. "A
cruz, a espada, o ramo de oliveira... Todos esses elementos estão presentes na
vida dos cristãos - novos. E o Francisco, homem místico que vê homens, anjos,
demônios e santos, consegue captar tudo isso", detalha Nilton.
Já Júlio Santos, mestre da foto pintura, retrata diversas figuras do movimento,
como o padre Antônio Vieira. “Todo esse diálogo é necessário para que não
exista xenofobia, intolerância, barreiras e fronteiras. O respeito ao outro é
fundamental para que nós tenhamos na sociedade o estilo de harmonia”,
arremata Nilton.
"Ler a Inquisição em Tempos de IntolerÂncia"
Quando: até 12 de novembro de 2022; de segunda a sexta-feira, das 08
às 12h e das 13 às 17h
Onde: Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (avenida da
Universidade, 2854 - Benfica)
(*) Jornalista. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/10/22. Vida & Arte, p.3.
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