Por Carlos Viana (*)
Na última semana, enquanto estava no ônibus vindo para o trabalho,
ouvi a conversa de um senhor com outra passageira. O homem
estava indignado por eu estar sozinho. A mulher, que pelo teor da
conversa sempre pega o transporte no mesmo horário que o meu, argumentava:
"ele sabe direitinho onde vai descer. Ele pega esse ônibus todo dia, acho
que vai trabalhar."
Me fingindo de morto, continuei ouvindo a conversa, pedindo
a Deus que não fosse incluído nela.
Lá pelas tantas, o homem pergunta à mulher: "será que ele já
aceitou Jesus? Só assim ele vai poder enxergar e melhorar de vida."
Fiquei com vontade de dizer a esse senhor que minha vida está, sim, muito boa,
e que não preciso enxergar para isso. Mas optei pelo silêncio.
Mas o que chama atenção nessa conversa é o fato de muitas pessoas
acharem que ser cego é a pior das tragédias do mundo. Óbvio que ter
alguma deficiência não é fácil, e ninguém que vive nesta condição sai gritando
aos quatro cantos do mundo que é muito bom ter deficiência. No entanto, ser
pessoa com deficiência está muito longe de ser o fim da vida.
Ao contrário do que pensam muitas pessoas, nós temos uma vida
normal, com as limitações impostas pela deficiência, claro. Mas isso não nos
impede de estudar, de constituir família, estudar, trabalhar e exercer tantas
outras atividades que as demais pessoas, sem deficiência, exercem diariamente.
Sei que a intenção do senhor do ônibus foi boa, mas ela
é, na realidade, um desrespeito à pessoa com deficiência.
No mesmo dia dessa conversa, recebi o pedido de um colega para
ajudar uma moça de 22 anos, que tem um filho de um ano, a se adaptar com
sua nova realidade, uma vez que ela está perdendo a visão.
Já pensou se esse senhor fala essas coisas para essa jovem, que
está num processo terrível para aceitar que a partir de agora será cega? Além
da perda da visão, ela está tendo que lidar com a perda de amigos, que
estão se afastando dela, talvez por não saberem como ajudá-la neste momento.
Portanto, fica um alerta a você, leitor: ao encontrar uma pessoa
com deficiência, não fique falando dela como se ela não estivesse ali; não
tenha dó dessa pessoa; e, sobretudo, veja antes o ser humano, e não
a deficiência. Daí, quem sabe, a deficiência torna-se um mero detalhe para
você.
É exatamente por isso que a nomenclatura correta é "pessoa com
deficiência", porque a pessoa, e não a deficiência, está em primeiro
lugar.
(*) Jornalista. Repórter do Núcleo de Opinião do jornal O POVO.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 12/02/23. Opinião, p.18.
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