Por Carlos Roberto Martins
Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)
Comecei o dia cedo, atento a vida,
conversando com um tio querido. Como costuma dizer minha esposa, resolvendo os
problemas do mundo.
É-me um hábito antigo, pois, em geral, os
papos são suaves. Aconteciam com meu tio homônimo, que agora já distante nos
escuta, somente em espírito, quiçá cada vez mais próximo.
Ao chegar na Faculdade de
Medicina da UFC, lá no Porangabussu, dirigi-me a enfermaria lentamente,
como se cada passo eternizasse uma memória.
Já no Hospital, introduzi uma conversa
com os alunos, o que traz sempre a sensação de saudade, e de estar
preparando o futuro. Falamos de vida, de cultura e, principalmente, de
respeito ao sofrimento.
Foi assim que iniciamos a aula prática na
enfermaria de cardiologia, onde estavam quatro pacientes. Pedi autorização
a um deles, ao que me parecia mais confortável para conversarmos um pouco, eu e
minha turma. Sugeri a um dos alunos que conduzisse a entrevista. Esse
apresentou-se: sou fulano, aluno de medicina . E perguntou ao paciente,
timidamente: por que ou como o senhor chegou no Hospital?
O paciente respondeu, prontamente: “Doutor,
eu fui para o posto, fiz todos os exames particulares. Eles não explicam
nada, mas era só para pegar o encaminhamento.
Depois fui para a Messejana, mas lá
não tinha vaga. Disseram que meus exames não valiam, porque fiz no particular.
Mandaram eu voltar para o posto. Eu voltei, só que dessa vez deu certo, um
amigo conseguiu o encaminhamento para o Hospital das Clínicas.
Ah, antes de tudo, fui lá
na UPA para ver se ajudavam, a glicose estava 600, aplicaram insulina
e disseram que meu problema não era para lá”.
A anamnese continuou, com a mesma
hesitação de um principiante, daqueles que estão a realizando pelas primeiras
vezes. Assim, foi o paciente quem conduziu a conversa. Relatou-lhe com detalhes
a sua doença, sobre sua família que sofria das mesmas aflições, e, então, nos
falou que aguardava para submeter-se a uma cirurgia cardíaca.
O aluno prosseguiu com o exame físico,
esforçando-se para suprir a insegurança de quem ainda está em
processo de aprendizagem, e aparentemente alheio às realidades ali expostas.
Com as mãos indecisas e algo trêmulas o examinou, parte por parte. E,
analisando cada movimento no leito, palpou os pulsos arteriais e o abdome,
auscultou o tórax, e concluiu em poucos minutos: “pronto professor, terminou”.
Veio a nós uma percepção de algo
inacabado, pois uma boa entrevista clínica não termina como se não tivesse
ocorrido, e sim, estabelece uma relação de confiança. Assim, nos
apressamos em demonstrar o quanto estávamos interessados no seu problema e na
nossa experiência em solucioná-lo.
Uma abordagem eficiente pressupõe a
capacidade de sedar as angústias do adoecimento, atribuindo ao paciente
habilidades em lidar com esse processo.
Logo em seguida, permanecemos alguns
minutos em silêncio, talvez desconcertados com essa realidade.
Foi quando, de uma maneira bem simples e
inesperada, antes que prosseguisse-mos, o paciente, já ansioso, concluiu:
“Doutor, agora estou com medo, homem é
carne, mesmo que eu seja servo de Deus”.
(*) Médico. Professor da UFC.
Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 23/04/2023. Opinião. p.19.
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